2012-11-23
Exmº Senhor Ministro das Finanças
LISBOA
Excelência:
A poucos dias de completar 75 anos, a vida
ensinou-me a não perder tempo com indivíduos arrogantes, incompetentes,
ignorantes ou incoerentes daí, eu próprio, não entender a razão de estar a
escrever-lhe, mas sinto que é um imperativo de consciência que dita esta carta.
Nasci um ano antes do início da segunda
guerra mundial (se refiro o ano é apenas porque duvido que o senhor fosse capaz
de, pelo facto de errar todas as contas, conseguir, a partir da minha idade,
chegar ao ano do meu nascimento) e portanto, ainda miúdo, senti, embora as não
vivesse, bem de perto a fome e a miséria. Sou natural de Aljustrel e como algum
tempo depois do início da guerra a mina, sustento económico da vila, cessou a
actividade, vi gente, muita gente, com fome, a alimentar-se de bolotas ou a
comer açorda de coentros e alho, aquilo a que os restaurantes que o senhor deve
frequentar chamam de sopa alentejana, sem azeite, ou seja, pão molhado em água
a ferver. Anos depois imaginei que tal situação não viria a suportar-se mais no
meu país mas, infelizmente o caminho que o senhor está a trilhar e a querer
obrigar os portugueses a seguir conduzirá inexoravelmente a uma situação de
miséria bem pior do que a que os portugueses já suportaram.
Em Outubro de 1945, alguns meses depois do
fim da guerra, entrei pela primeira vez na escola e se lembro esse primeiro dia
de aulas é pelo enorme pavor que tenho de que a história se repita.
Na parede fronteira às carteiras estava um
crucifixo ladeado por 2 retratos, um senhor de bigode e fardado e um outro que
estava de perfil com um nariz grande. Depois de algumas palavras a professora
perguntou: Algum de vocês sabe de quem são as fotografias que ladeiam o
crucifixo? O “Padreca” alcunha dum moço filho da maior beata da terra e, ao que
se dizia, do padre, daí a alcunha, respondeu: São os dois ladrões que foram crucificados
com Jesus Cristo. A professora exaltou-se e terminou a arenga dizendo que um
retrato era do general Carmona, assim, sem senhor nem nada, Presidente da República
e o outro de sua excelência o Senhor Dr. António de Oliveira Salazar,
digníssimo presidente do conselho. Não sei se foi premonição se pelo ar da
professora o certo é que embirrei logo com o “pencudo” que mais tarde viria a
odiar. Porque refiro isto? Porque tenho receio de que os meus netos entrem numa
sala de aula onde, no lugar do “pencudo”, estejam as olheiras de Vossa
Excelência. Este meu medo funda-se no facto de na entrevista a que a seguir aludirei o senhor não ter falado
como ministro das finanças mas sim como primeiro-ministro o que me leva a supor
que o senhor se estará a preparar para seguir o percurso do professor de Santa
Comba.
Avancemos, deixei de o ouvir, pelas razões
que atrás refiro, mas acontece que fui visitar um amigo doente e acamado no dia
em que o Senhor dava uma conferência de imprensa, creio que no passado dia 19 e
lá tive que o escutar. No fim e após ouvir o comentário do meu amigo, que não
reporto apenas porque não utilizo palavras de outros para dizer aquilo que
pretendo, respondi ao meu amigo: Não me digas que estiveste a ouvir o “gajo” só
para fazeres esse comentário?! Sorrimos os dois, porque o riso aberto já o senhor
nos roubou.
Contrariamente ao que pensava a conferência
de imprensa ficou a bailar-me nos ouvidos, a seguir, porque tenho gravado, fui
ouvir as declarações do seu chefe (ou será o contrário?) feitas antes de ser
primeiro-ministro, as declarações de Rafael Correa, Presidente do Equador na
conferência realizada em Madrid na reunião entre os países Ibéricos e da
América Latina e reler a tradução dum artigo que o senhor publicou no banco
central europeu (Excess Burden and the Cost of Inefficiency Public Services
Provision) no ano de 2006 (será que se lembra ainda do que então escreveu?) e
tal agudizou a necessidade de lhe escrever e, o mais curioso é que a
necessidade de gastar, ou perder, tempo com o senhor radicaliza nas mesmas
razões que me levam a afirmar que não perco tempo com certas pessoas.
O senhor é arrogante: Só os arrogantes se afirmam donos da
verdade absoluta e o senhor afirma e reafirma que o caminho que definiu é o
único muito embora vozes autorizadas, até da sua área ideológica, digam que o
caminho que o Senhor escolheu conduz o país, ou seja conduz os portugueses, ao
precipício.
O senhor é incompetente: O senhor afirmou que com o orçamento de
2012, orçamento que me esbulhou de dois subsídios da reforma para que descontei
durante 41 anos, o deficit das conta públicas ficaria nos 4,5% acordados com a
troika, mais tarde veio afirmar que afinal o deficit ficaria nos 5% e agora já
admite que mesmo esse objectivo não seja atingido. Só um incompetente comete
tantos erros numa só operação. O Senhor afirmou e reafirmou que cumpriríamos
metas e prazos, abjurando os que reclamavam a redefinição dos mesmos, para
depois vir vangloriar-se de ter conseguido alteração das metas e dos prazos que,
por pura incompetência, não atingiu. Mas o que revela ainda maior incompetência
é o afirmar que uma “receita” que falhou redondamente em 2012 vai, desde que
reforçada, produzir resultados diferentes em 2013.
O senhor é ignorante: Ignorante porque ignora a situação de
miséria, aberta ou encapotada, em que já vivem mais de um milhão de portugueses
e se prepara, com total indiferença, para aumentar o número de miseráveis do
nosso país. Ignorante porque recusa as lições que a história nos dá, aconselho
o senhor a ouvir as declarações do Presidente do Equador na cimeira
Ibero-Americana. Ignorante porque não tira as ilacções que deveria tirar da
situação grega. Ignorante porque não escuta as afirmações da directora geral do
FMI.
O senhor é incoerente: Porque escreveu, no artigo que atrás
refiro, em 2006 que “um estado eficiente podia reduzir para metade a carga
fiscal” e está a duplicá-la, quando não a aumentá-la ainda mais. Eu vou
recordar-lhe o que o Senhor escreveu sobre Portugal em 2006: “Em Portugal as
receitas fiscais valiam 37,1% do PIB ou quase 60% do consumo privado. Se a
provisão de serviços públicos fosse eficiente uma carga fiscal equivalente a
37,5% do consumo devia ser suficiente.”
Face ao que atrás ficou escrito, peço-lhe
que ponha de lado a arrogância, a incompetência, a ignorância e a incoerência e
preste um serviço a Portugal, demita-se e, se lhe for possível, leve também o
resto do grupo que nos está a arrastar para o precipício.
No Alentejo, onde cresci e me fiz gente,
ensinaram-me que se deve cumprimentar toda a gente, lembro-me de ouvir os mais
velhos dizerem: “não se nega a salvação a ninguém”, mas, honestamente, não
devo, não posso e não quero cumprimentar o ministro das finanças do desgoverno
de Portugal.
Depois de terminar este escrito e antes de
o reler estive a ouvir José Afonso que normalmente funciona como bálsamo para
as minhas mágoas e ao escutar “O que faz falta é avisar a malta” decidi que
esta carta será tornada pública no formato carta aberta.
José Nogueira Pardal
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