> «"Um terço é para morrer. Não é que tenhamos gosto em matá-los, mas a
> verdade é que não há alternativa. se não damos cabo deles, acabam por
> nos arrastar com eles para o fundo. E de facto não os vamos
> matar-matar, aquilo que se chama matar, como faziam os nazis. Se
> quiséssemos matá-los mesmo era por aí um clamor que Deus me livre. Há
> gente muito piegas, que não percebe que as decisões duras são para
> tomar, custe o que custar e que, se nos livrarmos de um terço, os
> outros vão ficar melhor. É por isso que nós não os vamos matar. Eles é
> que vão morrendo. Basta que a mortalidade aumente um bocadinho mais
> que nos outros grupos. E as estatísticas já mostram isso. O Mota
> Soares está a fazer bem o seu trabalho. Sempre com aquela cara de
> anjo, sem nunca se desmanchar. Não são os tipos da saúde pública que
> costumam dizer que a pobreza é a coisa que mais mal faz à saúde? Eles
> lá sabem. Por isso, joga tudo a nosso favor. A tendência já mostra
> isso e o que é importante é a tendência. Como eles adoecem mais, é só
> ir dificultando cada vez mais o acesso aos tratamentos. A natureza faz
> o resto. O Paulo Macedo também faz o que pode. Não é genocídio, é
> estatística. Um dia lá chegaremos, o que é importante é que estamos no
> caminho certo. Não há dinheiro para tratar toda a gente e é preciso
> fazer escolhas. E as escolhas implicam sempre sacrifícios. Só podemos
> salvar alguns e devemos salvar aqueles que são mais úteis à sociedade,
> os que geram riqueza. Não pode haver uns tipos que só têm direitos e
> não contribuem com nada, que não têm deveres.
>
> Estas tretas da democracia e da educação e da saúde para todos foram
> inventadas quando a sociedade precisava de milhões e milhões de pobres
> para espalhar estrume e coisas assim. Agora já não precisamos e há
> cretinos que ainda não perceberam que, para nós vivermos bem, é
> preciso podar estes sub-humanos.
>
> Que há um terço que tem de ir à vida não tem dúvida nenhuma. Tem é de
> ser o terço certo, os que gastam os nossos recursos todos e que não
> contribuem. Tem de haver equidade. Se gastam e não contribuem, tenho
> muita pena... os recursos são escassos. Ainda no outro dia os jornais
> diziam que estamos com um milhão de analfabetos. O que é que os
> analfabetos podem contribuir para a sociedade do conhecimento? Só vão
> engrossar a massa dos parasitas, a viver à conta. Portanto, são: os
> analfabetos, os desempregados de longa duração, os doentes crónicos,
> os pensionistas pobres (não vamos meter os velhos todos porque nós não
> somos animais e temos os nossos pais e os nossos avós), os sem-abrigo,
> os pedintes e os ciganos, claro. E os deficientes. Não são todos. Mas
> se não tiverem uma família que possa suportar o custo da assistência
> não se pode atirar esse fardo para cima da sociedade. Não era justo. E
> temos de promover a justiça social.
>
> O outro terço temos de os pôr com dono. É chato ainda precisarmos de
> alguns operários e assim, mas esta pouca-vergonha de pensarem que
> mandam no país só porque votam tem de acabar. Para começar, o país não
> é competitivo com as pessoas a viverem todas decentemente. Não digo
> voltar à escravatura - é outro papão de que não se pode falar -, mas a
> verdade é que as sociedades evoluíram muito graças à escravatura.
> Libertam-se recursos para fazer investimentos e inovação para garantir
> o progresso e permite-se o ócio das classes abastadas, que também
> precisam. A chatice de não podermos eliminar os operários como aos
> sub-humanos é que precisamos destes gajos para fazerem algumas coisas
> chatas e, para mais (por enquanto), votam - ainda que a maioria deles
> ou não vote ou vote em nós. O que é preciso é acabar com esses
> direitos garantidos que fazem com que eles trabalhem o mínimo e vivam
> à sombra da bananeira. Eles têm de ser aquilo que os comunistas dizem
> que eles são: proletários. Acabar com os direitos laborais, a
> estabilidade do emprego, reduzir-lhes o nível de vida de maneira que
> percebam quem manda. Estes têm de andar sempre borrados de medo: medo
> de ficar sem trabalho e passar a ser sub-humanos, de morrer de fome no
> meio da rua. E enchê-los de futebol e telenovelas e reality shows para
> os anestesiar e para pensarem que os filhos deles vão ser estrelas de
> hip-hop e assim.
>
> O outro terço são profissionais e técnicos, que produzem serviços
> essenciais, médicos e engenheiros, mas estes estão no papo. Já os
> convencemos de que combater a desigualdade não é sust entável (tenho
> de mandar uma caixa de charutos ao Lobo Xavier), que para eles poderem
> viver com conforto não há outra alternativa que não seja liquidar os
> ciganos e os desempregados e acabar com o RSI e que para pagar a saúde
> deles não podemos pagar a saúde dos pobres.
>
> Com um terço da população exterminada, um terço anestesiado e um
> terço comprado, o país pode voltar a ser estável e viável. A verdade é
> que a pegada ecológica da sociedade actual não é sustentável. E se não
> fosse assim não poderíamos garantir o nível de luxo crescente da
> classe dirigente, onde eu espero estar um dia. Não vou ficar em
> Massamá a vida toda. O Ângelo (Correia) diz que, se continuarmos a
> portarmo-nos bem, um dia nós também vamos poder pertencer à elite."»
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