segunda-feira, 19 de março de 2012

UM CONGRESSO HISTÓRICO


Um congresso histórico
                     Publicado em 2012-03-12 - JN

O recente congresso do sindicato do Ministério Público, realizado num
hotel de cinco estrelas de Vilamoura, no Algarve, mostra bem a
degenerescência moral que atingiu esta magistratura ou, pelo menos, a
sua fação hegemónica. Para realizar o sinédrio, os magistrados
dirigentes sindicais não hesitaram em pedir dinheiro a várias
empresas, incluindo bancos outrora indiciados de envolvimento em
atividades ilícitas. Com efeito, o congresso contou com o «alto
patrocínio» do Banco Espírito Santo e do Montepio, dois bancos
envolvidos na célebre «Operação Furacão» - o primeiro diretamente e o
segundo porque comprou um banco envolvido, o Finibanco. Além disso, o
congresso teve também o «alto patrocínio» da companhia de seguros
Império Bonança, bem como o patrocínio oficial da Caixa Geral de
Depósitos e da Coimbra Editora e ainda o patrocínio do BPI e dos Cafés
Delta, entre outros.
Os procuradores sindicalistas reuniram assim um vasto conjunto de
apoios financeiros que lhes permitiram não só realizar o congresso mas
sobretudo oferecer um luxuoso programa social para acompanhantes e
congressistas que incluiu um cruzeiro pela costa algarvia, almoços e
jantares em hotéis de cinco estrelas, passeios diversos e provas de
produtos regionais e, por fim, dar as sobras dessa abastança a uma
instituição privada sem fins lucrativos como é a Fundação António
Aleixo. Eles não hesitaram em pedir dinheiro a entidades suspeitas de
crimes económicos graves para agradar aos convidados entre os quais
diretores de órgãos de informação que permanentemente violam o segredo
de justiça. Como é possível pedir dinheiro para pagar um programa
social principesco, manifestamente fora do alcance económico dos seus
organizadores, concebido para aliciar colegas e convidados a
participarem no evento?
A propósito destes patrocínios, Vital Moreira interrogava,
recentemente, no seu blogue «Causa Nossa»: «Não restará nestes
sindicalistas judiciais um mínimo de sentido deontológico sobre a
incompatibilidade entre a sua função e o financiamento alheio dos seus
eventos sindicais? Não se deram conta de que se amanhã um dos seus
generosos financiadores deixar de ser investigado ou acusado de alguma
infração penal que lhe seja assacada, tal pode lançar a dúvida sobre a
sua isenção»?
Com que cara é que magistrados do MP vão pedir dinheiro a um banco
envolvido na «Operação Furacão» e ainda suspeito de corromper
políticos no caso do abate de sobreiros da Herdade da Vargem, em
Benavente, e indiciado por ter feito desaparecer nas suas filiais
internacionais o rasto de cerca de 30 milhões de euros, alegadamente
pagos como comissões pela compra, pelo Estado português, de dois
submarinos a um consórcio alemão?
Diz o artigo 373º n.oº 2 do Código Penal que comete o crime de
corrupção passiva para ato lícito quem «por si, ou por interposta
pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar,
para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem
patrimonial ou não patrimonial de pessoa que perante ele tenha tido,
tenha ou venha a ter qualquer pretensão dependente do exercício das
suas funções públicas». Será que esta norma só não se aplica a
magistrados? Será que nenhum dos patrocinadores teve no passado alguma
pretensão dependente do exercício das funções dos magistrados do MP?
Claro que sim. E houve até situações, no âmbito da «Operação Furacão»,
em que o procurador titular do processo defendeu teses mais favoráveis
aos arguidos do que a do próprio juiz de instrução.
Sublinhe-se que o MP perseguiu criminalmente alguns médicos a quem
acusou de terem solicitado e aceite patrocínios da indústria
farmacêutica, alguns deles para poderem participar em congressos.
Então os magistrados do MP podem fazer o mesmo sem quaisquer
consequências?
Seja como for, os procuradores que estiveram no congresso, no mínimo,
não deverão no futuro intervir em processos em que sejam partes
quaisquer das empresas patrocinadoras do evento, pois tal constituirá
«motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua
imparcialidade», nos termos dos artigos 43º n.oº 1 e 4 e 54, n.oº 1 do
Código de Processo Penal.
Não há dúvidas de que este congresso vai ficar na história.

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