terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

BOCA DO INFERNO

ARTIGO DE RICARDO ARAUJO PEREIRA

Ninguém impediu os jornalistas de captarem aromas, texturas ou paladares. Seria assim tão difícil conformarem-se com as regras e relatarem aquilo que lhes é permitido? Por exemplo, que pairava no ar uma fragrância de jasmim enquanto um painel falava sobre cortes na saúde?

Portugal, enquanto país do segundo mundo e meio, tem de se dar mais ao respeito. Quando se soube que os jornalistas poderiam acompanhar a conferência em que se discute a reforma do Estado desde que não captassem som e imagem nem citassem nada do que lá fosse dito sem terem autorização para isso, houve revolta. As pessoas têm de aprender a contentar-se com menos, a apreciar o valor das pequenas coisas da vida. A proibição de captar som e imagem é desagradável, concedo. Mas ninguém impediu os jornalistas de captarem aromas, texturas ou paladares. Seria assim tão difícil conformarem-se com as regras e relatarem aquilo que lhes é permitido? Por exemplo, que pairava no ar uma fragrância de jasmim enquanto um painel falava sobre cortes na saúde? Que a cadeira em que Carlos Moedas estava sentado era de veludo cristal? A realidade já é suficientemente difícil.

Esta constante má vontade não ajuda.
Pessoalmente, tenho todo o gosto em fazer, como o Presidente da República, todos os esforços para evitar uma crise política. Imaginem um país dirigido por um governo que propõe medidas inconstitucionais e insiste em políticas que agravam a recessão. Podia ser o nosso fim. Há que fazer todos os sacrifícios para continuar a desfrutar da magnífica estabilidade política com a qual temos sido abençoados.
Imbuído deste espírito, uma vez que sou uma pessoa que se imbui com facilidade (particularmente no que toca a espíritos), resolvi devolver a gentileza ao FMI e retribuir o programa de governo que redigiram para Portugal, redigindo um programa de governo para o FMI.
Tenho opiniões acerca do modo como se deve melhorar o funcionamento do FMI, e encontro-me em igualdade de circunstâncias com os técnicos que elaboraram o relatório sobre Portugal: no FMI também ninguém votou em mim, e desconheço por completo as regras fundamentais que orientam a instituição. De acordo com o meu relatório, o FMI deve despedir 20 a 30% dos seus funcionários, a começar pelos que redigiram o relatório sobre Portugal. O organismo fica com uma estrutura mais ágil e sustentável, o que é excelente para fazer face à crise, que toca a todos. Os funcionários que sobram devem sofrer um corte nas pensões e um aumento da idade de reforma. São propostas que, tenho a certeza, o FMI acolherá com interesse e agrado, até porque vão ao encontro dos gostos dos seus especialistas. E eu, como todos os portugueses, gosto de agradar.

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