ARTIGO DE JOSÉ ALBERTO NOGUEIRA
ste país não é para novos, nem para velhos
Por Alberto Pinto Nogueira
Ao fim de cinco anos, disseram-me que o curso acabara. Fiquei sem
bolsa de estudos e sem dinheiro. Tinha 22 anos. A cair de teso. Sem um
tostão para café ou tabaco. Mais seis longos meses à custa da família
que pouco ou nada tinha. Bati a algumas portas de advogados. Estágio
sim, mas gratuito. Requerimentos para aqui e para ali.
Num meio dia de princípios de Junho de 1971, recebi uma carta do
Ministério da Justiça. Tinha um ofício que transcrevia um despacho do
ministro, informava que me tinha nomeado Delegado do Procurador da
República interino na comarca de Moimenta da Beira.
A minha vida de magistrado do Ministério Público durante cerca de 42
anos começou aí. Vivia ainda em Lisboa, numa residência universitária.
Não tinha a mais ínfima ideia onde ficaria Moimenta da Beira.
Inquiri de um colega mais letrado. Terra de Aquilino Ribeiro, de
Quando os Lobos Uivam. Livro proibido que lera às ocultas na
faculdade.
Pousei em Moimenta num tarde tórrida de Verão de 1971, após dia e meio
de viagens de comboio até à Régua. Depois carreira. Uma rua, poucas
ruelas, um restaurante, o Tamariz, um edifício enorme a cair. Era o
tribunal e outras repartições do Estado. No Verão, o meu "gabinete"
era de um calor ofegante, povoado por milhões de moscas. No Inverno,
um frio gélido, insuportável. Poucos fins-de-semana que a neve impedia
o trânsito. Terra de gente simples. Quase todos pobres. Aquilino o
descreveu muitas vezes.
Andei por lá uns dois anos. Numa solidão que enganava e amolecia de
paleio com o juiz, os funcionários e advogados. Falava com os
processos crime, os inventários obrigatórios, as investigações de
paternidade, os processos de baldios e comigo. Não havia ninguém.
Montanhas de pedras escuras, enormes, esvoaçadas por aves negras,
também enormes. Metiam medo. Numa ou outra diligência a Sernancelhe,
as pessoas recolhiam a casa, espreitavam pelos buracos feitos janelas.
Com razão, que os do tribunal representavam ou eram mesmo o poder.
O Estado era certinho a pagar vencimentos.
Havia poucos descontos. Para a Caixa Geral de Aposentações (CGA),
sempre. Nunca as Finanças se esqueceram, e bem, de descontar o que
iria garantir a minha reforma. Quando chegasse a doente ou o
calendário não me permitisse trabalhar com a mesma energia e
produtividade.
Foi assim cerca de 42 anos. A remuneração do meu trabalho foi objecto
dos descontos que a Lei determinou para a minha reforma. Era o
mealheiro, o seguro de vida.
Nunca me passou pela cabeça que um Governo viesse trair o contrato que
vigorou mais de 40 anos. Comigo e com milhões de cidadãos, que hoje me
tratasse como se tivesse sido um criminoso ao exercer as funções que
exerci. Inscrevesse no meu certificado do registo criminal um crime
hediondo: "Pensionista"!
A rondar a delinquência, governos sucessivos usaram dezenas de anos a
fio, às ocultas, como ladrão, os cofres da CGA para o que lhes
apeteceu. Dela retiraram contribuintes. Não entregaram milhares de
milhões na mesma como entidade patronal.
Responsabilizam os pensionistas pelo descalabro que criaram. Sempre
ávidos e famintos de cortes e mais cortes nas pensões e reformas!
José Manuel Fernandes, de parceria com Helena Matos, escreveu que Este
País Não é Para Jovens. Nem para velhos.
É para mercados, bancos, swaps, parcerias público-privadas, perdões
fiscais, clientelismos. Negócios sujos.
Procurador-Geral Adjunto
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