quinta-feira, 3 de abril de 2008

Continuando...sobre Educação(2)

Geração do Ecrã

Aqui vos mando um excelente texto de Alice Vieira sobre o caso da agressão
à professora do liceu Carolina Michaelis.

Contudo, gostaria de deixar alguns pontos para reflexão:

1.º - Em termos políticos e no sentido lato é incrível o que esta geração
de políticos pós-25 de Abril (de todos os quadrantes políticos sem
excepção) conseguiu fazer da 'Família' e do 'Sistema de ensino'.

2.º - A escola passou a ser apenas um local onde se deixam os filhos
enquanto os pais vão trabalhar, para ganhar baixos salários e para que
cerca de 25% dos mesmos seja destinado ao crédito à habitação (que dá
lucros fabulosos à banca);

3.º - A família pouco tempo tem para os filhos e, por isso, para não se
aborrecer abdica de ensinar as regras básicas de convívio em sociedade,
criando verdadeiros meninos mimados e egoístas que só pensam nas pessoas à
sua volta em função daquilo que lhes podem dar.

4.º - Em sentido restrito, nesta situação concreta da agressão à
professora, é lamentável o silêncio da Ministra da Educação e,
curiosamente, dos dirigentes da FENPROF. Quando é para o regabofe, para
dizer mal (a primeira, dos professores; os segundos, das políticas de
educação) logo estão eles a dar a cara e a aparecer na televisão. Agora que
houve barraca e que é necessário defender a única vítima disto tudo (a
professora, de 60 anos, agredida e humilhada), simplesmente remeteram-se ao
silêncio e não apareceram.

5.º - A ministra tem criado polémica mas diz que as mudanças são para ter
alunos melhor preparados para enfrentar o futuro e 'os desafios da
globalização' . Contudo, contrariamente ao afirmado, aprova políticas que
vão conduzir exactamente no sentido contrário: desautorização dos
professores; elevação do nível de escolaridade à custa do facilitismo. Não
deveria ser exactamente o contrário? Não se deveria ser mais exigente e
mesmo reprovar alunos quando estes não estão preparados?

6.º - Uma palavra para o jornalismo pimba (principalmente da televisão
oficial do regime, a RTP, entenda-se) que repetiu exaustivamente as
imagens, num desrespeito por todos os envolvidos, em vez de cumprir o seu
papel e confrontar a Ministra, os sindicatos e os demais intervenientes no
sistema de ensino.

7.º - Com toda esta panóplia de factos e na constante tentativa política de
destruir o sistema de ensino público, não tenho dúvidas de que graças à
política da 'má educação', o futuro de Portugal estará hipotecado.


Agora leiam o texto da Alice Vieira, que é o mais importante.


Desculpem se trago hoje à baila a história da professora agredida
pela aluna, numa escola do Porto, um caso de que já toda a gente
falou, mas estive longe da civilização por uns dias e, diante de tudo
o que agora vi e ouvi (sim, também vi o vídeo), palavra que a única
coisa que acho verdadeiramente espantosa é o espanto das pessoas.

Só quem não tem entrado numa escola nestes últimos anos, só quem não
contacta com gente desta idade, só quem não anda nas ruas nem nos
transportes públicos, só quem nunca viu os 'Morangos com açúcar', só
quem tem andado completamente cego (e surdo) de todo é que pode ter
ficado surpreendido.

Se isto fosse o caso isolado de uma aluna que tivesse ultrapassado
todos os limites e agredido uma professora pelo mais fútil dos
motivos - bem estaríamos nós! Haveria um culpado, haveria um castigo,
e o caso arrumava-se.

Mas casos destes existem pelas escolas do país inteiro. (Só mesmo a
sr.ª ministra - que não entra numa escola sem avisar…- é que tem
coragem de afirmar que não existe violência nas escolas…)

Este caso só é mais importante do que outros porque apareceu em
vídeo, e foi levado à televisão, e agora sim, agora sabemos
finalmente que a violência existe!

O pior é que isto não tem apenas a ver com uma aluna, ou com uma
professora, ou com uma escola, ou com um estrato social.

Isto tem a ver com qualquer coisa de muito mais profundo e muito
mais assustador.

Isto tem a ver com a espécie de geração que estamos a criar.

Há anos que as nossas crianças não são educadas por pessoas. Há anos
que as nossas crianças são educadas por ecrãs.

E o vidro não cria empatia. A empatia só se cria se, diante dos
nossos olhos, tivermos outros olhos, se tivermos um rosto humano.

E por isso as nossas crianças crescem sem emoções, crescem frias por
dentro, sem um olhar para os outros que as rodeiam.

Durante anos, foram criadas na ilusão de que tudo lhes era
permitido.

Durante anos, foram criadas na ilusão de que a vida era uma longa
avenida de prazer, sem regras, sem leis, e que nada, absolutamente
nada, dava trabalho.

E durante anos os pais e os professores foram deixando que isto
acontecesse.

A aluna que agrediu esta professora (e onde estavam as
auxiliares-não-sei-de-quê, que dantes se chamavam contínuas, que não
deram por aquela barulheira e nem sequer se lembraram de abrir a
porta da sala para ver o que se passava?) é a mesma que empurra um
velho no autocarro, ou o insulta com palavrões de carroceiro (que me
perdoem os carroceiros), ou espeta um gelado na cara de uma (outra)
professora, e muitas outras coisas igualmente verdadeiras que se
passam todos os dias.

A escola, hoje, serve para tudo menos para estudar.

A casa, hoje, serve para tudo menos para dar (as mínimas) noções de
comportamento.

E eles vão continuando a viver, desumanizados, diante de um ecrã.

E nós deixamos.

In Jornal de Notícias, 30.3.2008

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