sábado, 19 de maio de 2012
SE
Crónica do João Carlos Pereira lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 16/05/2012.
Se…
Se os baixos salários, os impostos altos, o trabalho precário e a economia controlada por interesses privados fossem a solução para a crise, a crise nunca teria chegado a Portugal. Mais: Portugal seria o país mais desenvolvido e próspero da Europa.
Se fosse na inovação tecnológica que estivesse o futuro – e a salvação – de Portugal, e estando o país atascado em telemóveis, computadores (sem esquecer os Magalhães), IPODs, IPADs, internet e cliques a torto-e-a-direito, certamente que teria aumentado a produção de carne, cereais, fruta, legumes, aço, leite, sapatos, camisolas, componentes electrónicos, agulhas e alfinetes. E o peixe pescado por nós seria a nossa principal fonte de proteínas. Um enter e nasce a bezerra; dois cliques e cresce o trigo; um copy and paste e apanha-se um cardume. E seria sempre a aviar.
Se aumentar os impostos correspondesse a arrecadar mais receita fiscal, o Estado estaria rico. Ora, se o Estado, depois de ter aumentado brutalmente os impostos, está a arrecadar menos 5,8% em relação ao que se verificava há um ano, é porque alguém chamado Vítor não percebe nada disto. Ou finge que não percebe.
Se os bancos, que são os principais responsáveis pela dívida externa portuguesa – e não o Estado, como gostam de fazer crer –, já que se financiaram no estrangeiro para, por sua vez, financiarem a compra de casa própria pelos portugueses, se alambazaram ao avaliar as casas e a aplicar os seus vorazes spreads, que resolvam, então, a bolha imobiliária que está a rebentar-lhe nas mãos. Para não sermos todos nós, outra vez, a cobrir os riscos do negócio bancário. Que é privado, como sabemos. Ou privados serão, apenas, os lucros?
Se, após cinco anos numa empresa, um trabalhador português apenas recebe 34% (cerca de um terço) do que um alemão recebe quando perde o emprego, e 46,9% (menos de metade) do que recebe um espanhol, está mesmo a ver-se que só quando a indemnização for zero é que Portugal passará a ser um país desenvolvido e próspero. Calma, que está quase.
Posto isto, recordemos Miguel Torga. Há cinquenta e um anos, afirmou:
É um fenómeno curioso: o país ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto. Falta-lhe o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente, uma sociedade pacífica de revoltados.
Se isto foi dito há mais de 50 anos, em plena ditadura (a tal longa noite fascista, que durou 48 anos), e serve que nem luva nos dias que correm, será que vivemos, há 38 anos, uma longa noite… democrática? E que ainda seremos capazes de aguentar mais dez?
Se não fôssemos tão mansos, o que é que gostaríamos de ser?
(João Carlos Pereira)
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