A Educação, a bateria e a especialização
Ao contrário da Economia, da Justiça ou da Saúde, em que são habitualmente
chamados a pronunciar-se os profissionais da área respectiva, na
Educação todos se sentem habilitados a dar palpites sobre o sector e sobre as
reformas que são ou não necessárias. Cada vez mais, o estatuto da Educação
se assemelha ao do futebol: como toda gente deu pontapés na bola na infância
e na adolescência, acha que domina a arte de colocar a bola no fundo da baliza.
Na Educação, também todos passámos pelos bancos da escola e/ou somos
pais e, por isso, nos sentimos habilitados a dar palpites sobre Educação e a
fazer os mais definitivos diagnósticos sobre o sector.
Basta ligar a televisão ou um qualquer jornal, para vermos políticos,
economistas, psicólogos, psiquiatras, advogados, jornalistas ou fabricantes de
garrafas a pronunciarem-se de cátedra sobre o assunto. E aqui reside o principal
erro que se comete em Portugal em matéria de Educação. Há a ideia generalizada
de que este não é uma matéria que exija especialização. Contudo,
qualquer professor consciente sabe que, pelo contrário, é um sector que exige
uma enorme especialização e experiência.
Há muitos anos atrás, quando um grupo de adolescentes queria formar
uma banda de garagem, quem ficava a tocar bateria era quem não sabia tocar
nenhum outro instrumento. Hoje a bateria é motivo de teses de mestrado, mas
numa época de pouco conhecimento considerava-se que qualquer pessoa
era capaz de dar umas batidas nos pratos. Na política portuguesa também é
assim: para ministro da Justiça escolhe-se um advogado ou um juiz, para a
pasta da Economia escolhe-se um economista, para a pasta da Saúde vai um
médico ou professor de Saúde Pública. Para a Educação, vai qualquer um. Não
é necessário nem especialização nem o conhecimento do sector. Extraordinário!
Ninguém se lembraria de escolher um veterinário para ministro das
Finanças, mas toda a gente achou natural que a economista Manuela Ferreira
Leite ascendesse à pasta da Educação. Também toda a gente achou normal
que os engenheiros mecânicos Couto dos Santos e Marçal Grilo (este com
algum contacto com o sector) passassem a inquilinos do prédio da 5 de Outubro.
Ou que David Justino, autarca e professor do ensino superior, ocupasse as
mesmas funções.
Nada mais pacífico, por isso, que Santana Lopes tivesse convidado uma
especialista de telecomunicações para o cargo, com os resultados trágicos que
se conhecem. Posto isto, quem se admiraria ao ver José Sócrates convidar
uma professora de Sociologia, sem qualquer currículo conhecido na área do
ensino básico ou secundário para o cargo? Aliás, parece que todas as profissões
dão excelentes currículos para ministro da Educação, excepto uma: a de
professor dos ciclos de ensino respectivos!
Quando foi conhecido o nome de Maria de Lurdes Rodrigues para a pasta
da Educação, todos se interrogaram quem seria a nova titular, uma vez que
ninguém a conhecia. Além de algumas obras publicadas, que nada tinham a
ver com o ensino secundário, sabia-se que era presidente do Observatório das
Ciências em Portugal. Contudo, logo os jornalistas descobriram uma "qualidade"
na nova ministra que a qualificava para o cargo: era conhecido o seu mau
feitio. Não demorou muito a que os portugueses demorassem a descobrir que
o critério "mau feitio" era extensivo aos seus secretários de Estado. Um critério,
no mínimo estranho, numa pasta que envolve milhões de pessoas e em
que a capacidade de comunicação deveria ser prioritária.
Existem quase 150 mil professores em Portugal a trabalhar no ensino
básico e secundário, mas, ao que parece, nenhum sabe suficientemente de
educação para desempenhar o cargo. É caso para perguntar o que fazem estes
milhares de professores durante dias, meses, anos ou décadas de profissão. Se
dia após dia, não se estão a especializar em Educação, então o que estão a
fazer?
Aprender a fazer horários, conciliando uma complexidade de factores,
não é especialização? Dirigir uma escola não é especialização? Gerir uma turma
de alunos desestruturados não é especialização? Contudo, parece que em
Portugal, todo este conhecimento fundamental não habilita nenhum dos profissionais
de Educação a dirigir o ministério respectivo. Extraordinário!
Ao invés, parece que o que habilita alguém para o cargo é nunca ter
dado uma aula na vida no sector que vai dirigir! Ou que não faça a mínima
ideia do que sejam as dinâmicas dentro de uma sala de aula. Não será esta
sistemática ostracização dos professores, afinal, uma falta de consideração da
classe política para com os profissionais de Educação deste País?
Como se pode conceber que conhecer o sistema por dentro nada valha
para a classe política? Como se admite que, se não me falha a memória, nem
um único professor tenha sido convidado para ocupar o cargo de ministro ou
de secretário de Estado neste País nas últimas décadas? Será que aos professores
do ensino básico e secundário está reservado o estatuto de menoridade
mental e profissional, apesar das provas de bom senso que revelam todos os
dias?
Com o devido respeito, enquanto cidadão, considero que os professores têm
cumprido incomparavelmente melhor as suas funções do que a classe política.
Se alguma dúvida houvesse, bastaria ver o estado em que encontra este País.
Por outro lado, convém lembrar que a responsabilidade das políticas educativas
erráticas e inconsequentes é da classe política, não dos docentes, que
apenas as executam
As estatísticas e o sucesso educativo
Os portugueses têm assistido, com alguma perplexidade, às queixas da senhora
ministra da Educação sobre as taxas de insucesso e abandono escolar. Afinal,
a um ministro da República não se pede que se queixe, mas que resolva
os problemas. Para isso tem, primeiro, de conhecer a realidade. Contudo, os
argumentos que a senhora ministra e os seus secretários de Estado têm trazido
para a comunicação social mais não revelam que um profundo desconhecimento
do trabalho produzido nas escolas.
As questões são simples e quem está no terreno conhece as soluções há
muitos anos. O entendimento entre os professores não é difícil e, regra geral
há consenso sobre a forma de resolver os problemas. Aliás, os profissionais,
seja qual for o ramo de actividade, conhecem sempre muito bem os problemas
da sua área de actuação e, por isso, as soluções também são geralmente consensuais.
As dificuldades surgem quando aparecem políticos, que não conhecem
a verdadeira dimensão dos problemas, a Governar sectores que não
dominam. O resultado traduz-se invariavelmente em contestação dos profissionais
em causa e medidas avulsas e inconsequentes.
Há anos que os professores deitam as mãos à cabeça com as medidas
apresentadas pelos sucessivos governos, cada uma pior que a outra. Com a
sua proverbial paciência, professores e conselhos executivos tentam implementar
o que, muitas vezes, não tem qualquer viabilidade ou aderência à realidade.
Se a autonomia das escolas lhes permitisse rejeitar muitas das directivas
absurdas que lhes chegam anualmente, por certo, muito dinheiro pouparia
o País e muita eficácia ganhariam as escolas.
Mas vamos às queixas da senhora ministra. Para responder a estes
questões, não precisamos de comissões de sábios ou de espertos (tradução
livre do Inglês), qualquer professor esclarecido conhece as soluções. Porque é
que os alunos não completam o 12º ano? A resposta é curta e simples: o elevado
grau de abstracção dos actuais programas do 12º ano não é compatível
com o perfil de uma parte significativa da população escolar.
O problema não está nos alunos nem nos professores nem nos pais nem
sequer no sistema de ensino, mas nos programas, que foram criados com a
função de preencher anos pré-universitários. Ora, quem não tem perfil universitário
- e são muitos - também não tem perfil para frequentar o actual 12º
ano. Se o País quer que a generalidade dos alunos completem o 12º ano tem
de lhes propor outras competências, de menor abstracção e complexidade,
seja através de cursos profissionais ou outros. E ponto final.
Volto à questão da necessidade de especialização da escola. O Ministério
da Educação olha para a população escolar como uma massa uniforme e, por
norma, propõe soluções universais para problemas bem distintos. Erro crasso.
Já dizia, Descartes que os problemas complexos se devem decompor em problemas
simples, para que se possam resolver.
Ora, com a democratização do ensino, toda a população jovem passou a ter
acesso à escola. E com ela chegaram novos problemas às escolas que exigiriam
soluções diferenciadas. Contudo, o Ministério da Educação continua a
comportar-se como se a população escolar tivesse a mesma homogeneidade
de há 30 anos. Não tem. A população escolar de hoje é altamente heterogénea,
uma consequência da universalidade do ensino.
Os três nós górdios do ensino secundário
1) O atraso mental ligeiro
Numa linguagem simplificada, eu diria que há três tipos de novos utentes
que acederam à escola nas últimas duas ou três décadas e que têm sido
ignorados pela classe política. Uma dessas classes, de que nunca se fala, é a
população escolar menos favorecida intelectualmente. Não há que ter pudor ou
vergonha em falar no assunto, eles existem, há que assumir essa realidade.
Há 30 anos, não passavam do 1º ciclo, hoje frequentam o terceiro ciclo e pretende-
se que cumpram no futuro 12 anos de escolaridade.
A população escolar não deve ser dividida numa grande maioria, inteligente,
e numa pequena minoria, deficiente. Não. Há uma fatia intermédia da
população escolar que, não sendo considerada deficiente, possui, no entanto, o
que definiria, ainda que sem rigor científico, como grau de atraso mental ligeiro.
Todavia, não é politicamente correcto admitir que existem alunos intelectualmente
limitados, todos preferem assobiar para o lado e fingir que o problema
não existe.
Por certo, até hoje nenhum ministro da Educação se lembrou de pedir o
perfil da população escolar em termos de Quociente de Inteligência (QI). Seria
um exercício interessante confrontar esses resultados com as exigências dos
programas escolares. Ora, o Ministério da Educação continua a exigir a estes
jovens menos dotados intelectualmente aquilo a que eles não conseguem corresponder.
Numa estimativa meramente empírica, baseado na minha própria
experiência de professor, diria que esta população não andará longe dos 10%,
o que, concordemos, é um número muito significativo.
Na minha opinião, há que olhar para este problema de forma integrada
pois os cursos profissionais apenas o resolverá em parte. Não esqueçamos
que, num mundo globalizado, cada vez se exige mais dos profissionais, seja
qual for a área. E hoje, exige-se muito a um electricista, um jardineiro ou um
mecânico, bem mais do que estes alunos poderão eventualmente dar.
Por isso, mesmo depois de formados, dificilmente estes jovens poderão
competir de igual para igual no mercado de trabalho. As limitações intelectuais
não desaparecem só porque frequentaram cursos de formação e, por isso,
seria importante que o Governo criasse bolsas de trabalho protegidas, quer no
Estado quer no sector privado, através de protocolos com as empresas.
Não entendo, por exemplo, porque é que pessoas com QI médio ocupam
postos de trabalho no sector da limpeza, quando este, por ser menos exigente,
deveria ser um sector de mercado de trabalho protegido dirigido para
pessoas de QI baixo, que dificilmente conseguirão emprego estável noutras
áreas. O que a sociedade não pode é marginalizar estes jovens nem deixar de
lhes oferecer uma colocação profissional compatível com as suas limitações
intelectuais. E ao ignorar as suas limitações, o Estado está a empurrar involuntariamente
estes jovens para a marginalidade social.
2- a) O mundo das famílias desestruturadas
O segundo tipo de utente que tem acedido à escola nas últimas décadas
é o das chamadas famílias desestruturadas. Antes de 25 de Abril de 1974,
estes jovens eram perseguidos e marginalizados pelos próprios professores,
seguindo as directrizes e as práticas do Ministério da Educação. Se não eram
expulsos, eram tão maltratados que acabavam por abandonar as escolas na
primeira oportunidade.
Contudo, hoje fazem parte da população escolar e, reconheça-se, de
pleno direito. No entanto, mais uma vez, o Ministério da Educação não os
reconhece como segmento de população escolar diferenciado e remete a solução
dos problemas que causam no normal desenrolar da vida escolar para as
escolas, sem os correspondentes meios.
Aqui, as soluções para a resolução deste problema dividem-se. A Alemanha
decidiu criar escolas de nível regular, médio e máximo e dar aos pais a
opção de escolherem a escola dos seus filhos. A formação dos professores, ao
que me informaram, também é diferenciada: os das escolas regulares têm
competências reforçadas ao nível do comportamento e integração social e os
das outras escolas ao nível científico. Confesso que me inclino, cada vez mais,
para esta opção porque é a que mais atenção dá aos diversos públicos-alvo.
A outra opção passa por manter a actual heterogeneidade das turmas. Contudo,
também aqui há limites inultrapassáveis, como o número de alunos problemáticos
a nível de comportamento por turma. Por norma, um professor
consegue gerir satisfatoriamente uma turma com um ou dois alunos problemáticos,
mas jamais conseguirá gerir com sucesso turmas com 10 ou 15 alunos
problemáticos. Neste caso, o rendimento escolar fica irremediavelmente comprometido.
Bem pode o professor "fazer o pino", pois em Educação não há
milagres.
Ora, hoje em dia o Ministério da Educação impõe que as turmas só possam
ser desdobradas se tiverem mais de 30 alunos, exceptuando se tiverem
alunos com algum tipo de deficiência. Ora, os alunos desestruturados não são
deficientes e, por isso, hoje há turmas com 10 ou 15 alunos problemáticos
integrados em turmas de 30 alunos. O resultado só pode ser trágico, quer para
os alunos problemáticos, que não têm a atenção que lhes é devida, quer para
os restantes, que não conseguem aprender o que deviam. Obviamente, a culpa
aqui não é dos professores, mas das regras absurdas impostas pelo Ministério
da Educação.
Ainda nesta opção, é absolutamente indispensável que a indisciplina
orgânica não se torne norma na aula. A sala de aula é um local de trabalho,
não o prolongamento do recreio. Contudo, cada vez é mais difícil distinguir o
recreio da sala de aula. Ou é o auscultador que o aluno coloca mais ou menos
discretamente no ouvido, ou é o telemóvel, ou o caderno e o livro que não são
trazidos para a aula, ou a conversa irreverente com o parceiro do lado enquanto
o professor tenta explicar a matéria, tudo isto perturba enormemente uma
aula e reduz drasticamente a aprendizagem.
Ora, esta indisciplina orgânica deve ser muito mais penalizadora para o
aluno do que é actualmente. A solução, do meu ponto de vista, passa por criar
um núcleo disciplinar dentro de cada escola. Se um aluno desrespeita sistematicamente
as regras de comportamento na sala de aula, deve ser obrigado a
sair, mas não para regressar 10 ou 15 minutos depois à aula seguinte, continuando
a ter o mesmo comportamento. Alguém que é expulso de uma aula
por mau comportamento deveria ficar até ao final do horário escolar numa sala
disciplinar, acompanhado por dois professores, com o perfil adequado para o
efeito. Isto já é feito, com êxito, em escolas americanas.
Outra medida poderia passar pela mudança compulsiva de turma ou até, de
estabelecimento de ensino, bastando para tal uma avaliação negativa do comportamento
do aluno, devidamente fundamentada, por parte do conselho de
turma. Só assim, o combate à indisciplina será suficientemente dissuasor. O
actual modelo do processo disciplinar, burocrático, interminável e permissivo,
não tem qualquer eficácia e deveria ser reservado apenas a casos de violência,
física ou verbal. Muitas vezes, quando chega ao fim o processo disciplinar, já
acabou o ano lectivo. E, na maior parte das vezes, a pena é tão simbólica que
põe o sistema a ridículo.
2-b) A violência na escola
Ainda dentro do capítulo das famílias desestruturadas, é preciso considerar
o caso-limite da violência nas escolas, que afecta, sobretudo, a periferia
das grandes cidades. O Ministério da Educação não pode remeter o problema
para as escolas, lavando daí as suas mãos como Pilatos. Pior ainda quando
decide acusar de incompetência os professores e as escolas em dificuldade,
com o extraordinário argumento de que há escolas que têm êxito em situações
idênticas.
Aliás, nos célebres vídeos da RTP, a estratégia do secretário de Estado
passou (surpresa!) por tentar culpabilizar os professores em causa pela violência
nas aulas, quando se percebe claramente que há naqueles alunos uma
agressividade perfeitamente anormal que exigiria um apoio especializado
acrescido àquelas escolas. Aliás, esta é a estratégia recorrente dos responsáveis
do Ministério da Educação: quando algo não está bem, a culpa é invariavelmente
dos professores. É a visão simplex da Educação.
No caso dos vídeos na RTP, seria previsível que os responsáveis do ME
tomassem medidas para resolver os problemas de violência nas escolas. Todavia,
logo surgiu a notícia de que o Ministério iria tentar acusar a direcção das
escolas de violação do direito de imagem, apesar de ninguém ser identificado
na reportagem. Fantástico!
3- O problema da motivação
Um terceiro grupo problemático é o dos alunos que, devido a problemas de
motivação ou bloqueios emocionais não conseguem ter um rendimento escolar
normal. Muitas vezes, falta de motivação e de resultados não implica mau
comportamento nas aulas. Muitos factores podem estar associados a estes
problemas. Um deles é conhecido como hiperactividade ou défice de atenção.
Segundo o pedopsiquiatra Nuno Lobo Antunes, 7,5% da população escolar tem
este problema. Numa escola de 1300 alunos, 100 alunos sofrerão assim deste
problema. Uma multidão.
E qual é a resposta do Ministério da Educação para este problema, que
exige tratamento médico especializado? A informação que tenho é que a única
consulta do Estado na região, localizada no Hospital de Leiria, tem uma lista de
espera de 7 meses... No sector privado, uma consulta da especialidade pode
chegar aos 100 euros, bem longe do alcance da maioria dos pais.
Diante deste cenário, que razão tem a senhora ministra da Educação
para se queixar dos maus resultados escolares dos alunos? Além destes, existem
muitos outros problemas de saúde que explicam o baixo rendimento dos
alunos, como dislexia, problemas de visão, audição, etc., muito mais frequentes
do que se pode imaginar e que dificilmente os professores conseguem
detectar.
Ainda relativamente à motivação, que soluções propõe o Ministério da
Educação para os inúmeros casos de falta de acompanhamento dos alunos por
parte dos pais? É um erro de palmatória pensar que os professores podem
substituir os pais no acompanhamento parental. Com 5 ou 6 turmas de 25 a
30 alunos e horários rígidos, perfazendo 100 a 150 alunos a seu cargo diariamente,
os professores não têm nem tempo nem vocação para fazer esse
acompanhamento. O resto não passa de fantasias delirantes. Ponto final.
A "solução" do Ministério da Educação de alargar os horários escolares
para permitir o melhor acompanhamento desses alunos dificilmente terá qualquer
eficácia. Primeiro, porque não é em 45 minutos ou mesmo 90 minutos
que se consegue dar o mínimo de acompanhamento parental a grupos de 5, 10
ou 15 alunos. Em segundo lugar, mais horas num horário escolar já sobrecarregado
soa como um castigo extra para os alunos, que, ao fim do dia, já estão
cansados e stressados e só querem ir para casa descansar.
Outra medida inconsequente são as chamadas aulas de substituição. Se
elas são compreensíveis no 1º ou 2º ciclo, dada a tenra idade dos alunos, que
exige uma supervisão apertada, o mesmo não acontece no 3º ciclo e no ensino
secundário, onde os alunos já dispõem de razoável autonomia. O argumento
da senhora ministra de que se os alunos não estiverem na sala de aula andam
pelos cafés a embebedarem-se não colhe.
Em primeiro lugar, se as escolas não estão vedadas, é obrigação do
Ministério da Educação fazê-lo. Os alunos devem permanecer no espaço escolar
durante o tempo do horário escolar. E a esmagadora maioria dos alunos
portugueses não são bêbados nem toxicodependentes, são jovens que precisam
de brincar e de socializar, coisa que sempre fizeram de forma saudável.
Com esta medida, a senhora ministra impede os alunos de o fazer no recreio.
A consequência é que transformam o espaço da sala de aula, que deveria ser
sagrado e reservado ao estudo, no recreio. Os resultados desta medida em
termos de cultura escolar são, obviamente, catastróficos.
As medidas piedosas e populistas do Ministério da Educação, que podem
parecer óptimas para pais e leigos na matéria, traduzem-se afinal em mais
custos para os contribuintes e resultados nulos. Este é mais um exemplo de
que a Educação precisa de especialização e que os especialistas deste sector
não são gestores, sociólogos ou engenheiros mecânicos, mas professores.
E, já agora, qual é a penalização (ou incentivo) para os pais que nem sequer
vão à escola quando são solicitados? Será que o sucesso educativo não passa
pela responsabilização de todos os intervenientes no processo educativo? Muito
francamente, não me parece sério um discurso que só procura responsabilizar
uma das partes e se demite totalmente de responsabilizar os outros intervenientes
no processo. Ou será que o Ministério da Educação optou por afrontar
apenas os professores por serem apenas 150 mil e não tem coragem de responsabilizar
pais e alunos, por estes serem 3 ou 4 milhões?
A avaliação dos professores
a) Os "maus professores"
Em quase 20 anos de ensino, contam-se pelos dedos de uma mão os
comportamentos não responsáveis de professores que observei. Por isso, é
com perplexidade que ouço falar da necessidade de punir os "maus professores".
De que País estamos a falar: da Somália, do Sudão ou do Burkina Faso?!
Com certeza os professores são humanos, terão seguramente personalidades
muito diferentes, qualidades e defeitos, mas, se há classe que me merece confiança,
é a dos professores.
De resto, numa profissão sujeito ao escrutínio de tanta gente, dificilmente
algum professor não cumprirá as suas obrigações. Qualquer aluno,
encarregado de educação ou professor se pode queixar ao conselho executivo
da escola e todas as queixas são tidas em conta, consideradas e dado o devido
encaminhamento. Os casos poderão depois ser passados à inspecção que os
analisa a pente fino e, mesmo assim, raras são as condenações de professores.
Só quem não percebe nada do que são as escolas portuguesas - e muitos
são, incluindo a maioria dos jornalistas - consegue acreditar na fantástica
tese de que o problema do ensino secundário reside na qualidade dos professores.
Lembro que a quase totalidade dos professores são pessoas formadas e,
como já sublinhei, têm de dar diariamente provas de bom senso. Na verdade,
o que falta nas escolas são regras eficazes a todos os níveis e flexibilidade na
gestão.
Por isso, é lamentável que a campanha de difamação dos professores
parta precisamente dos responsáveis do Ministério da Educação. E mais lamentável
ainda é que num dia lancem lama sobre a classe, para logo no dia
seguinte virem dizer que não era bem assim, e que a culpa é do jornalista que
deu a notícia. A senhora ministra acusou os professores de só se preocuparem
com as boas turmas e de as colocarem de manhã para os funcionários da escola
colocarem lá os seus filhos. Ora, isto é uma acusação claríssima de corrupção.
Em quase 20 anos de profissão, nunca observei tal prática e, por isso,
considero que a senhora ministra difamou os professores. Em primeiro lugar,
com a natalidade em queda, não me parece que os professores tenham assim
tantos filhos e menos ainda na escola onde leccionam. Da minha experiência,
cada escola talvez tenha em média dois ou três filhos de professores a estudar
na mesma escola enquanto há 20 ou 30 turmas por escola. Além disso, muitos
são os professores que têm os filhos a estudar noutras escolas, públicas ou
privadas.
Por aqui se vê que essa acusação não tem qualquer base de sustentação.
No entanto, a ser verdade esta prática nalguma escola, a obrigação da
senhora ministra era mandar a Inspecção averiguar, não lançar lama contra
uma classe profissional inteira.
Por outro lado, a comparação dos professores com os médicos é, uma
vez mais, reveladora do desconhecimento que a senhora ministra tem da profissão
docente no ensino secundário. A cura da doença dos pacientes só
depende do médico, mas a aprendizagem dos alunos não depende só do professor.
Só por desonestidade intelectual e/ou leviandade se podem comparar
situações tão distintas.
b) A avaliação fantasma dos pais
Os alunos não aprendem por um conjunto variado de factores, que já
atrás referi, e dos quais o Ministério da Educação é o principal responsável. Os
professores fazem o melhor que podem e sabem. De resto, a intenção persecutória
dos responsáveis do Ministério da Educação contra os professores e as
suspeitas públicas quanto ao seu profissionalismo são claras. A última afronta
é a proposta de Estatuto da Carreira Docente.
Com efeito, a proposta de avaliação dos professores por parte dos
encarregados de educação parte da suspeita não confessada de que os professores
não são responsáveis. Assim, os pais (supostamente cidadãos responsáveis)
controlariam os professores (supostamente profissionais irresponsáveis).
A medida, tão populista como perversa, mereceu a reprovação da maior parte
dos partidos, do Bloco de Esquerda ao CDS, e até da generalidade dos comentadores,
sempre tão benevolentes com os actuais responsáveis do 5 de Outubro.
A proposta não sobrevive ao mais rudimentar escrutínio. Primeiro, como
podem os pais avaliar professores, se nem sequer os conhecem? Por outro
lado, se não os conhecem, as informações em que se baseiam são transmitidas
pelos filhos, de 10, 13 ou 16 anos! Ora, que maturidade tem uma criança ou
adolescente para avaliar um professor?
Por outro lado, é preciso não esquecer que entre professor e aluno também
existe uma relação de poder. E deixar na mão de um adolescente o poder
de avaliar o educador é uma total perversão. O poder do educador não pode
ser diminuído pelo receio de uma revanche do aluno. No limite, uma turma de
marginais terá o professor na mão, porque se este os afrontar leva com uma
avaliação negativa e o seu salário será diminuído. Em termos de relação de
poder, é como se um juiz passasse a ser avaliado pelas pessoas que tem de
julgar! Um completo absurdo.
E nem a tentativa da senhora ministra de tentar fugir à questão, dizendo
que este é apenas um acto de avaliação, entre muitos outros, é minimamente
admissível. Não é por ter menos peso que a proposta se torna mais
séria ou aceitável! Além disso, um trabalhador não pode ver o seu desempenho
avaliado por factores subjectivos, de que nunca poderá recorrer, deve ser
avaliado em função de critérios objectivos. A avaliação profissional é uma coisa
séria, não pode ser uma lotaria.
A insinuação de que os professores não querem ser avaliados é outra
peça na campanha contra a classe que circula pelos média. A verdade é que os
professores já eram avaliados até aqui, dependendo a aprovação da frequência
de acções de formação e do cumprimento das tarefas atribuídas. É certo que o
processo de avaliação não era muito exigente, mas a responsabilidade é, naturalmente,
dos responsáveis do Ministério da Educação que aprovaram essa
legislação, não dos professores, que se limitaram a cumprir o estipulado.
c) O mito da falta de assiduidade
Faço aqui um parêntesis para abordar a questão da assiduidade, que
tem sido alvo de uma campanha demagógica contra a classe docente. Em primeiro
lugar, o ensino é uma profissão maioritariamente de mulheres. Ora, tradicionalmente,
quem cuida dos filhos quando estes estão doentes são as
mulheres, sem falar que mulheres engravidam e, por isso, também têm por
vezes de faltar por razões de saúde. Por isso, é natural que a assiduidade seja
menor entre os professores que noutras profissões. Qual é a alternativa? Querem
que as professoras deixem os seus filhos ao abandono?
Por outro lado, a falta de um professor tem uma repercussão social
ampliada. Quando um funcionário falta numa repartição o utente raramente dá
por isso. No caso dos professores, quando um deles falta um único dia, há 150
alunos que dão pela sua falta e que contam a 300 pais. No total, a falta de um
único professor é notada por quase meio milhar de pessoas.
Por outro lado, não entendo porque os professores não podem repor as
aulas em que têm de faltar. Bastaria que, para tal, fosse marcado no horário
escolar uma mancha para esse efeito. Aqui está um mecanismo de gestão que,
incompreensivelmente, não é utilizado e que poderia minorar bastante os efeitos
das ausências pontuais dos professores.
Por outro lado, é preciso entender que os professores têm horários
extremamente rígidos e a um simples atraso de 5 minutos, devido a trânsito
intenso ou outro motivo imprevisto, pode corresponder uma falta de um dia
inteiro, se essa for a única aula do dia, ou, no mínimo, a ¼ de dia de falta.
Quantos profissionais deste País têm penalizações tão gravosas, embora compreensíveis,
por atrasos de 5 minutos?
Além disso, é uma profissão muito exigente em termos de cansaço e desgaste
psíquico. Um dia inteiro a lidar com adolescentes irreverentes é uma tarefa
duríssima, sobretudo, quando se tem de lidar com turmas problemáticas, sem
falar no trabalho que os professores levam para casa. Por isso, por vezes,
quando um professor está "de rastos", nada mais lhe resta que parar um dia,
mesmo perdendo um dia de férias, para recuperar energias ou até a sua sanidade
mental.
Seguramente, não é por causa da assiduidade dos professores que o ensino
está mal. A única excepção sucede quando um professor está de atestado
médico menos de um mês, uma vez que a legislação só permite a substituição
se a ausência for igual ou superior a um mês. O incumprimento do programa
agrava-se ainda mais quando a instabilidade da saúde professor o leva a pôr
sucessivos atestados médicos de curta duração.
São casos raros, mas acontecem e penalizam bastante os alunos. No
entanto, cabe ao Ministério da Educação modificar essa legislação e encontrar
soluções mais criativas para que os alunos não fiquem sem aulas tanto tempo.
d) Avaliação sim, mas objectiva
De qualquer forma, quem não deve não teme e os professores não têm
qualquer problema em ser avaliados, desde que os critérios sejam objectivos e
estejam relacionados directamente com o seu trabalho. Não é aceitável que a
sua avaliação dependa dos resultados dos alunos, pela simples razão de que os
resultados dependem de muitos outros factores, além do trabalho do professor.
Por exemplo, um professor com turmas problemáticas nunca pode ter os
mesmos resultados que um professor com bons alunos. Por outro lado, isso
seria mais um convite ao facilitismo porque, naturalmente, pressionaria os professores
a inflacionar as classificações dos alunos.
Por outro lado, é clara a intenção deste Governo ao fixar numerus clausus
no acesso ao topo da carreira e não querer pagar aos professores, independentemente
do seu mérito ou competência. Ora, como quer o Governo
atrair para a carreira bons profissionais se não lhes paga em consonância? A
proletarização da classe docente é uma realidade típica de países de Terceiro
Mundo, não de países civilizados. E mal vai Portugal se tenciona continuar a
desvalorizar a profissão de professor.
Parafraseando a magnífica frase de Medina Carreira há alguns dias na
RTP, também "eu gosto dos determinados, mas é quando acertam." Como já
aqui demonstrei, a nomeação desta equipa da Educação é um monumental
erro de casting e o País vai pagar caro a política populista e voluntarista que
está a ser seguida neste sector. Em vez de mobilizar energias, Maria de Lurdes
Rodrigues mais não faz do que incendiar o País e comprar guerras inúteis e
despropositadas com os professores.
O descrédito da actual equipa da Educação é total nas escolas portuguesas e,
por mais que isto custe a José Sócrates, tal não se deve a questões salariais,
mas ao facto da sua competência não ser reconhecida. Não se governa um
País com base em estatísticas, sobretudo, quando não se percebe o que está
por detrás desses números. E quanto mais Maria de Lurdes Rodrigues brande
desajeitadamente as estatísticas, mais expõe a sua ignorância e se põe a ridículo
aos olhos dos professores. E muito mal vai uma organização quando os
subordinados não reconhecem a competência do chefe.
Mário Lopes.
in: http://www.tintafresca.net/noticia.aspx?sID=3202&EdicaoUltima=68
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