domingo, 6 de janeiro de 2008

Finalmente uma boa descrição da actualidade...





" Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e

sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos

de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de

dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz

de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se

lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo,

enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da

sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, -

reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta (...)



Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta ate à medula, não

descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem

carácter, havendo homens que, honrados (?) na vida intima, descambam

na vida publica em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a

veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao

roubo, donde provém que na politica portuguesa sucedam, entre a

indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis

no Limoeiro (...)



Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este

criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto

pela abdicação unânime do pais, e exercido ao acaso da herança, pelo

primeiro que sai dum ventre, - como da roda duma lotaria.



A justiça ao arbítrio da Politica, torcendo-lhe a vara ao

ponto de fazer dela saca-rolhas;



Dois partidos (...), sem ideias, sem planos, sem convicções,

incapazes (...) vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e

pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao

outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgando e fundindo,

apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, - de não

caberem todos duma vez na mesma sala de jantar (...)"



Guerra Junqueiro, in "Pátria", escrito em 1896

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