Anatomia de um golpe
19.09.2008, António Vilarigues
A mesma visão que permitiu o golpe de Estado contra Allende continua hoje em vigor nos EUA e na comunicação social
1. A 11 de Setembro de 1973, no Chile de Salvador Allende (cujo centenário do nascimento se comemora neste ano de 2008), Augusto Pinochet executava a fase final de um golpe. Golpe há muito preparado e anunciado pela comunicação social dominante como "inevitável". Golpe que desde o início foi fomentado, financiado e apoiado pela CIA, obedecendo às ordens da Administração Nixon.
Um ano depois da sangrenta tomada do poder, o então Presidente (não eleito, sublinhe-se) Gerald Ford foi entrevistado pela revista Time. Questionado sobre que lei internacional dava aos EUA o direito de tentar desestabilizar um governo constitucionalmente eleito de outro país respondeu lapidar: "Não vou pronunciar-me aqui sobre se isso é ou não permitido por leis internacionais. É um facto reconhecido, no entanto, que tanto historicamente como no presente tais acções se aplicam no melhor interesse dos países envolvidos. O nosso governo, tal como outros governos, empreende essas acções para ajudar a boa orientação das políticas externas e para proteger a segurança nacional... A CIA tentou ajudar, no Chile, a preservação dos jornais opositores e das rádios e apoiar os partidos da oposição."
Esta visão continua hoje em vigor nos EUA e na comunicação social dominante. Analisemos o que está acontecer na Bolívia.
Os mesmos que estão sempre prontos a dar lições de democracia aos outros noticiaram como facto trivial o recente referendo convocado neste país pelo presidente Evo Morales. De notar que este acto se realizou a meio de um mandato obtido em 2006 com 53,4 por cento dos votos. Que o Presidente, para se manter em funções, teria de ter mais votos do que quando foi eleito (se, por exemplo, tivesse tido 53 por cento, teria de abandonar o cargo). Que Evo Morales recolheu 67 por cento dos votos.
Pois qual a linha dominante de análise dos mais recentes acontecimentos na Bolívia? A culpa é de Evo Morales, pois claro. O malandro nacionalizou as indústrias de gás e do petróleo, respeitando assim o seu programa eleitoral sufragado nas eleições. O desestabilizador, vejam lá, canalizou as verbas do petróleo e do gás natural para um programa nacional de assistência a idosos. Mais: fê-lo sem atender às exigências dos (33 por cento de votos no referendo) que, nas respectivas regiões, consideravam que essas verbas eram deles e só deles e não do país. Mas não se ficam por aqui na sua absurda argumentação. Se Evo Morales não aceitar os "conselhos" da chamada "comunidade internacional", abdicando da sua luta pela libertação e promoção social dos mais desprotegidos do seu país, então são de esperar as inevitáveis consequências.
Será que os que assim escrevem e falam não se apercebem que, queiram ou não, estão a preparar o terreno para novos 11 de Setembro de 1973? E o que proclamariam se as autarquias do PSD, ou da CDU, se recusassem, por exemplo, a entregar os impostos cobrados no seu território, a pretexto de que discordavam do TGV ou do novo aeroporto? E se as referidas câmaras ameaçassem separar-se e proclamar a independência? E se, pela violência, promovessem o assalto e vandalização dos edifícios governamentais? E matassem quem defendesse o governo legítimo de Portugal? Alguém duvida do que diriam e escreveriam?
2. Uma nota a propósito da "democracia" das eleições americanas. Em 2004 esteve-se à beira de um absurdo e de um escândalo de ainda maiores proporções do ponto de vista numérico do que o ocorrido quatro anos antes com Al Gore. E, curiosamente, de sentido político contrário. Com efeito, John Kerry teve menos
três milhões de votos que George W. Bush. Mas se tem ganho no estado do Ohio, para o que só teria precisado de mais 150 mil votos, teria sido ele o Presidente eleito. Como escreve o Vítor Dias, parece pois que nas "grandes democracias" há uns "pequenos" problemas democráticos. Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação (anm_vilarigues@hotmail.com)
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