Carta Aberta
ao primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, ao ministro da Economia Álvaro
Pereira e ao ministro das Finanças Vítor Gaspar
Srs.
Governantes de Portugal,
Sou uma técnica administrativa, de uma empresa pública de
transportes da área metropolitana de Lisboa (que está prestes a ser destruída),
sou possivelmente uma candidata séria ao desemprego, pois aquilo que está
previsto para esta área é bastante preocupante. Aufiro um vencimento que ronda
os 1100€ (líquido), tenho 36 anos e “visto a camisola” da minha empresa desde
os 19 anos.
Tenho o 12º ano de escolaridade, porque na época em que
estudava os meus pais, que queriam o melhor para mim, não tinham possibilidade
de me pagar uma universidade, por isso tive de ingressar cedo no mercado de
trabalho, investi na minha formação e tirei alguns cursos para evoluir,
continuo a ambicionar tirar um curso superior. Pensava efectuar provas no
próximo ano, para tentar ingressar numa universidade pública, faria um sacrifício
para pagar as propinas (talvez com o dinheiro que recebesse do IRS, conseguisse
pagá-las), mas realizaria um sonho antigo.
Comprei casa há uns anos (cerca de 7 anos), consciente de que
conseguia pagar a dívida que estava a contrair, nessa altura era possível e de
acordo com a lógica de evolução das coisas, a minha vida melhoraria
gradualmente, este era o meu pensamento e julgo que partilhado pela maioria dos
portugueses. Não vivo, nem nunca vivi acima das minhas possibilidades. Tenho um
carro de 1996, porque sou contra o endividamento e achei sempre que não podia
dar-me ao luxo de ter um carro melhor, confesso que já me custa conduzir aquela
lata velha, mas peço todos os dias para que não me deixe ficar mal, esse carro
foi comprado a pronto, custou-me cerca de 1.000€, que paguei com um subsídio de
férias ou de natal, direito alienável de qualquer trabalhador. Esses subsídios
permitem-me pagar o condomínio, os seguros de carro e casa, o IMI ou outras
despesas extra com as quais não estou a contar (como por exemplo a oficina,
quando a lata velha resolve avariar).
Até hoje paguei sempre as minhas contas a tempo e horas. Tenho
um cartão de crédito que a banca me ofereceu, mas que nunca utilizo, porque sou
consciente dos juros exorbitantes que são cobrados e tenho exemplos de que não
se deve gastar o que não se tem. Não pago qualquer prestação para além da casa,
se não tiver dinheiro, não efectuo a compra. Isto tudo para dizer, que não
devo, nem nunca devi nada a ninguém. Pago todos os meus impostos, portagens,
saúde, alimentação, água, luz, gás, gasolina, etc. Não tenho filhos, e hoje dou
graças a deus, porque não sei em que condições viveriam, se os tivesse.
Esta pequena introdução sobre a história da minha vida, que
acho que não interessa a ninguém, mas apenas a mim, serve para que percebam a
minha realidade, que certamente é a realidade de milhares de portugueses,
haverá uns em situação muito pior e alguns em situação bem melhor. Mas posso
servir bem, como um pequeno exemplo ilustrativo, para aqueles que governam um
país, que por acaso tem pessoas, algo que me parece muitas vezes ser esquecido.
É esta a minha forma de demonstrar a minha indignação perante
alguns comentários efectuados por alguns de vós e tendo em conta a actual
situação do nosso país. Aproveitando também para lhes pedir alguns
esclarecimentos.
Eu já ouvi o primeiro-ministro português, dizer que não sente
que tem de pedir desculpas aos portugueses, pelo défice e pela dívida, mas
pergunto Sr. Primeiro-ministro, sou eu que tenho de pedir desculpas, por um
orçamento de estado herdado do governo anterior, que sem a sua ajuda não teria
sido aprovado, ou já se esqueceu desse pormenor? Desde essa altura, portanto,
desde o início deste ano, que vejo o meu vencimento reduzido em 5% e que
contribuo mais que os outros portugueses, para o equilíbrio das contas públicas
e para o défice. Sim, porque ao que me parece, eu e todos os funcionários
públicos, que têm o azar de trabalhar para o estado, ou na máquina do mesmo,
são mais portugueses do que os outros. Não sei se eles se contentariam em
receber uma medalha, pela parte que me toca, dispenso essa honra, pois isso
contribuiria para o agravamento da despesa, por isso não se incomodem, prefiro
que poupem esse dinheiro e me continuem a pagar os subsídios a que tenho
direito.
Direito, Estado de Direito… Neste momento e em Portugal, não
consigo descortinar o que isso é, até porque a legislação e constituição têm
sido ajustadas à medida, de acordo com os interesses em vigor, pois se assim
não fosse, teria sido inconstitucional a redução do meu salário, bem como seria
impossível, cortarem-me o subsídio de natal e de férias nos próximos dois anos,
peço que me esclareçam também nestes pontos, pois existem muitas coisas que não
estou a perceber, acredite, que não sou assim tão ignorante.
Outra coisa que me faz alguma confusão, é ouvi-lo dizer que o
orçamento é seu, mas o défice não… Pergunto Sr. Primeiro-ministro, o défice é
meu? O défice é dos trabalhadores portugueses, mas não é seu? O Sr. porventura não
é português? Não contribuiu em nada para a situação em que nos encontramos? Há
qualquer coisa aqui que não bate certo.
Agora aquilo que mais me transtorna é pedirem ainda mais
sacrifícios ao povo português e terem a ousadia de dizer que o povo vive acima
das suas possibilidades. Como já tive oportunidade de demonstrar a minha
realidade, acho que não preciso voltar a explicar a minha forma de viver e a “ginástica”
que tenho de fazer com meu vencimento para conseguir pagar as minhas contas e
ainda assim sobreviver. Nem consigo imaginar, como farão famílias inteiras, que
apenas recebem o ordenado mínimo nacional, é para mim um exercício difícil,
apenas me posso compadecer, pela situação miserável em que devem estar a viver
e dar-lhes também voz, nesta minha missiva.
Por isso, posso garantir que pela parte que me toca, não vivo
acima das minhas possibilidades, mas certamente, que o Estado português e as
empresas públicas, estão a viver acima das possibilidades de todos os trabalhadores
portugueses. Apesar de relativamente a este assunto ainda não o ter ouvido
dizer que iam haver cortes, ou os poucos que referiu, ainda não me conseguiram
convencer… Dou-lhe alguns exemplos práticos, para que perceba e qualquer leigo
no assunto também…
Vou referir-me a todos os que ocupam cargos relevantes na
nossa sociedade, são eles os administradores de empresas, os directores, os
autarcas, os deputados, ministros, assessores, vogais, etc. Todos eles e vocês auferem
vencimentos superiores ao meu e da maioria dos trabalhadores, vamos supor que
ganham entre os 2.000€ e os 10.000€ mensais, sabemos bem que estas contas não
são as reais e que os valores são bem superiores, nalguns casos, mas para
demonstrar o que pretendo, podemos usar estes valores como base.
Tudo o que vou descrever abaixo, é a realidade do meu país e
da vossa má gestão enquanto governo. Não vos dei o meu voto, nem a todos os que
passaram por aí desde o 25 de Abril de 1975. Apesar de concordar com os
princípios básicos da democracia, há muito que deixei de acreditar que vivia
numa. Isto não é democracia, em democracia, também se ouve o povo, em
democracia os órgãos de comunicação social não manipulam a opinião pública, nem
são marionetas do Governo. Acredito mesmo assim, que a maioria daqueles que
votaram e vos deram a vitória nestas eleições, acreditavam de facto numa
mudança, mas mais uma vez, mudaram apenas as moscas e rodaram as cadeiras.
Por tudo isto, agradeço que descontem tudo o que descrevo em
baixo dos meus impostos, porque isto, meus senhores, nem eu, nem os trabalhadores
portugueses, temos possibilidades de pagar!
Esclareçam-me quanto aos seguintes pontos e quanto tudo isto
me custa (a mim e a todos os contribuintes portugueses):
- Se me desloco em viatura própria para o meu trabalho e a
maioria das pessoas usam o transporte público, digam-me porque é que tenho de
comprar carros topo de gama para toda esta gente, que ganha no mínimo o dobro
que eu e que ainda tem viatura própria superior à minha? Porque tenho de lhes
comprar os BMW’s e os Audis, pagar-lhes a gasolina, as portagens, as
inspecções, as revisões, os seguros, os motoristas e quanto isso me custa? Acham
que o povo português pode e quer, continuar a pagar isto?
- Se tenho um cartão de crédito que não utilizo, porque tenho
de vos pagar os cartões de crédito com “plafond” mensal para despesas diversas?
Quem vos disse que queríamos que gastassem assim o nosso dinheiro? Quem vos
autorizou?
- Se almoço no refeitório da Empresa e suporto com o meu
vencimento, todas as minhas refeições, porque tenho de pagar as vossas em
restaurantes de luxo? - Acham que temos possibilidade de continuar a viver
assim? Como têm o descaramento de nos continuar a pedir sacrifícios?
- Se não saio do país, porque não tenho hipótese (como
adorava poder efectuar uma viagem por ano), porque tenho de vos pagar, as
viagens, as despesas de alojamento e as ajudas de custo? Porque viajam em
classe executiva, porque ficam alojados em hotéis de 5 estrelas, se estamos a
viver num país falido e endividado?
- Porque tenho de pagar os vossos telemóveis e as vossas
contas?
- Porque tenho de vos pagar computadores portáteis, se para
pagar o meu tive de fazer sacrifícios e ainda o utilizo ao serviço da empresa,
quando necessário.
- Porque tenho de pagar 1.700€ de subsídio de alojamento, aos
membros do governo que não residem em Lisboa? Se só posso pagar de renda um
máximo de 500€, isto, enquanto não ficar desempregada, porque nessa altura,
terei provavelmente de vender a casa ou entregá-la ao banco e procurar emprego
noutro sítio qualquer e quero ver quem me vai pagar o subsídio de alojamento ou
de arrendamento. Aliás onde estão esses subsídios para os milhares de
desempregados deste país?
- Não quero pagar pensões vitalícias a ex-membros do governo
que continuam no activo e a acumular cargos e pensões.
- Não quero pagar ajudas de custo, ninguém me paga ajudas de
custo para coisa nenhuma, não tenho de o fazer a quem aufere o triplo e o
quádruplo do meu vencimento.
- Não quero pagar estudos, nem pareceres, nem quero, que
estejam contemplados no Orçamento de Estado, se não têm capacidade para
governar, não se candidatem aos cargos, um governo ao ser constituído, escolhe
as pessoas de acordo com a sua experiência e competência nas diversas áreas (ou
assim deveria ser).
- Não quero pagar mais BPN’s, nem recapitalizações da banca,
nem TGV’s, nem PPP’s que penalizam sempre o estado e beneficiam o privado.
- Não quero mais privatizações em áreas essenciais, como a
dos transportes, dos correios, das águas de Portugal, etc. Se são necessárias
reformas, façam-nas, sentando-se à mesa com os trabalhadores e negociando, não
aniquilando as Empresas.
- Quero uma verdadeira política de regulação e supervisão do
direito à concorrência, coisa que não existe neste país.
- Quero ver nas barras dos tribunais e a indeminizarem o
estado e o povo português, todos os que efectuaram crimes de colarinho branco,
de corrupção, de má gestão, que defraudaram o estado em milhões de euros. Se eu
cometer um crime sou responsabilizada por ele. Eles também têm de ser.
Estes são apenas alguns exemplos das despesas, que nem eu,
nem a maioria dos trabalhadores portugueses, querem pagar. Por isso meus
senhores, façam as contas, digam-nos quanto poupam com todas estas coisas e
depois sim, podem pedir sacrifícios aos portugueses, mas a todos, não só a
alguns, nem sempre aos mesmos.
Até lá, restituam-me o que me estão a roubar no vencimento
desde o inicio deste ano. Peço que tirem de uma vez por todas essa ideia da
cabeça, de me tirarem os subsídios de natal e de férias dos próximos anos,
aliás, isso é inconstitucional e ilegal (, acho que estão a ter algum problema
com os vossos responsáveis da área jurídica e não vos estão a prestar os
devidos esclarecimentos, por isso, deixo aqui o meu pequeno contributo.
E para não dizerem que nós não queremos fazer sacrifícios,
deixo também uma pequena lista das áreas para onde quero contribuir, com os
meus impostos e onde quero ver o meu dinheiro aplicado:
- Posso continuar a descontar para a Segurança Social e a
mantê-la sustentável, para pagamento de:
- Reformas daqueles que trabalharam e
descontaram uma vida inteira, daqueles que lutaram pelo nosso país e foram
obrigados a ir para uma guerra, que não era deles e onde ainda hoje impera a
vergonha nacional, na forma como são tratados os ex-combatentes. Não me importo
e concordo, que a reforma mínima, seja aumentada para um valor que garanta
dignidade aos nossos idosos, o que está longe de acontecer nos dias de hoje;
- Abono de Família, com aumento para
as famílias mais desfavorecidas ou com rendimentos inferiores a 1.000€
(aumentando de acordo com o número de filhos).
- Pagamento de subsídio de apoio
social, desde que verificada a real necessidade da família ou indivíduo. Bem
como, de todos os subsídios (de doença, desemprego, assistência à família,
maternidade, etc.), desde que verificadas as situações, o que me parece já ser
uma prática comum.
- Aumento do ordenado mínimo nacional
para 500€ (o que continua a ser uma vergonha).
Continuo a pagar impostos para garantir uma boa Educação,
Saúde, Justiça (neste caso para todos e não só para alguns), Segurança,
Cultura, ou seja, para todas as áreas onde o governo tem reduzido e quer
reduzir ainda mais, ao abrigo da austeridade.
Agora peço-vos que não insultem mais a inteligência dos
portugueses, a única coisa estúpida que fazem, é continuar a dar poder a
pessoas pequeninas como os senhores, que pouco ou nada contribuem para lhes
melhorar a vida.
Não nos voltem a dizer, que estas medidas são necessárias e
suficientes, porque sabemos que é mentira e enquanto não apostarem no crescimento
real da economia, na produção de recursos e na criação de emprego, todas as
medidas que tomarem, terão um efeito nulo e só agravarão a situação do país e
das famílias. Não é necessário ser um grande génio financeiro, pois até o Sr.
Zé da mercearia (com todo o respeito que tenho pelo sr., e que apenas estudou
até à 4ª classe), percebe isto.
Não nos comparem nunca mais, com outros países mais
desenvolvidos, ou quando o fizerem, esclareçam também, quais os benefícios sociais
que eles têm e os ordenados que eles recebem, digam também quanto pagam de
impostos e por serviços e quanto pagamos nós. Somos dos mais pobres e dos que
mais pagam por tudo. Por isso meus senhores não nos peçam mais nada, porque já
passaram todos os limites.
Fico a aguardar uma resposta a todas estas minhas questões.
Não me despeço com consideração, porque infelizmente, ainda
não a conseguiram ganhar.
Manuela Cortes
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