quarta-feira, 1 de setembro de 2010

INTERESSE NACIONAL

7,5 mil milhões de euros, o maior negócio de sempre, um lucro fabuloso. Impostos? Zero. Zero! Zero...
Deve ser do hábito: ninguém se revolta. E usaram a "golden share" para isto.

Não é de hoje. Há um ano, quando a PT vendeu a operação em Marrocos, o lucro de 200 milhões foi limpinho de impostos. A lei assim o prevê, a portuguesa e a comunitária, para incentivar o investimento e a competitividade fiscal. Quando essa lei não o prevê, outra servirá: a Sonae lançou a OPA à PT a partir de uma "holding" holandesa para não pagar imposto; Amorim fez o mesmo ao entrar na Galp. São as famosas BV, legalíssimas e frequentíssimas.

Se uma lei portuguesa ou holandesa não se aplica, muda-se com um decreto-lei. Sempre por interesse nacional. Assim foi na Petrocontrol, que encaixou uma mais-valia na venda da Galp sem entregar um cêntimo ao Fisco. Os beneficiados? Sim, são também sempre os mesmos. Petrocontrol era o BES, Patrick Monteiro de Barros, Totta, Mello, Amorim, Fundação Oriente...

Tudo isto é legal. Na venda da Vivo, a PT pagaria centenas de milhões de imposto mas como o negócio é feito pelas incontornáveis BV, não pagará impostos, como revelou o "Diário Económico" há uma semana, sem que se ouvisse uma voz de protesto ou um deputado que se insurgisse* - nem os que não são fiscalistas.

Os Estados põem, as empresas dispõem. Durante anos, a Sonae desafiou o Estado - que venceu, num célebre processo contra os emolumentos notariais. Belmiro de Azevedo dizia, com crueza, que as empresas têm de pagar todos os impostos que lhes são devidos mas nem um cêntimo do que um advogado descubra ser dispensável, por habilidade ou lacuna da lei.

O que é revoltante é que a "golden share" tenha sido usada, em nome de dez milhões de portugueses tributados em benefício de meia dúzia de isentos, na mais-valia e nos dividendos.

Aqui foi escrito vezes sem conta o embuste do alegado interesse nacional da "golden share". Nem só por ideologia, mas por ser um instrumento público usado em privilégio privado, os accionistas da PT. Não quisemos acreditar que o primeiro-ministro, que moveu montanhas por um negócio no Brasil, não levantasse um grão de areia pelos contribuintes portugueses. Mas o tempo passa, e areia só para os olhos.

Interesse nacional? Nos últimos anos, o IVA subiu de 17% até 21%. O IRS tem um novo escalão e uma sobretaxa "temporária" (pois...), estando anunciada a limitação das deduções fiscais na saúde e educação, o que terá um impacto brutal em quem tem filhos. Interesse nacional? O IRC das empresas (sem BV...) sobe, há mais impostos especiais, mais taxas liberatórias sobre a poupança e mais-valias bolsistas. Interesse nacional? O código contributivo vai aumentar a carga para a Segurança Social, incluindo nos recibos verdes. Os funcionários públicos pagam mais na ADSE, há cortes sociais: nos subsídios de desemprego, nos abonos, nas pensões de reforma. Interesse nacional?!

As empresas precisam de quadros fiscais atractivos para o investimento. Negócios como os da Vivo são bem-vindos. Mas ouvi-los cantar o hino nacional é a "golden" humilhação para quem paga impostos. Ver, agora, accionistas da PT a semearem discórdia entre si para receberem mais dividendos revela falta de pudor. "Levantai hoje de novo o esplendor de Portugal!" Levantai, então não levantai...



psg@negocios.pt

* NA: depois de publicado este texto na edição impressa, pude confirmar que o deputado do PCP Agostinho Lopes criticou esta isenção à Lusa: "Este é um exemplo brilhante de como a política fiscal está desenhada à medida dos grandes interesses económicos". Fica a correcção e o pedido de desculpas aos leitores e a Agostinho Lopes.

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