segunda-feira, 13 de junho de 2011

A ESQUERDA EM DEBATE

Os trabalhos presentes e futuros das esquerdas
10/06/2011 por Henrique Sousa

Um comentário de Vítor Dias no seu blogue (aqui), sobre o debate interno no BE, é o nosso ponto de partida para esta reflexão. Contestando as teses de que “o eleitorado tem sempre razão” e de que “se há desaire eleitoral…., então há necessária e automaticamente erros de orientação”, não resiste a procurar encontrar semelhanças e linhas de continuidade entre o actual debate interno no BE e as divisões internas do PCP no ano 2000 e antes. Lembrando que alguns dos actuais protagonistas desse debate no BE estiveram nas divisões internas do PCP, sentencia que “alguns deles vão repetir o que fizeram no PCP e outros deles vão disso ser vítimas ou alvos“.

É verdade. Vítor Dias tem (em parte) razão. Nem o insucesso eleitoral é “automaticamente” prova de erros de orientação, nem a manutenção de um eleitorado, acrescentamos, é “automaticamente” certidão de justeza da linha política. Existem mais factores. Os outros actores políticos. O contexto. As instituições. A história.

Todavia as eleições e os seus resultados contam. A prática é um critério indispensável para julgar os actores políticos. As eleições, que determinam as escolhas dos actores e das políticas no exercício do poder, não podem ser ignoradas na legítima avaliação dos partidos que as disputam. Da sua orientação. Do seu discurso. Dos seus dirigentes. Dos seus resultados.

Os insucessos eleitorais são fonte de debate e de tensões internas em todos os partidos. Sem excepção. Os partidos disputam o poder. O poder é conquistado, nas sociedades demoliberais, através de eleições.

Mas reduzir a grave crise do PCP verificada há uma dúzia de anos atrás a uma disputa fundada nos insucessos eleitorais é caricaturar o que então se passou e é, no mínimo, desrespeitador de muitos dos que participaram nesse debate interno. Incluindo do próprio Vítor Dias.

Ambos sabemos que essas divisões internas, os sofrimentos e a sangria de forças que arrastaram, foram muito além do que invoca e justifica como mera disputa crítica da linha política em função de maus resultados eleitorais. Foi um debate e uma derrota de muita gente, de muitos quadros generosos (acrescento, revolucionários) do PCP que desejavam um caminho comunista mais participado, mais aberto na reflexão e no ideário político e que arriscasse uma mobilização mais eficaz do conjunto das esquerdas para uma alternativa. Não era então a questão eleitoral a razão determinante das diferenças e da mudança de rumo propugnada por muitos (não todos) dos que, permanecendo ou saindo, viveram e perderam esse debate interno.

Faz pena ver Vítor Dias cair na tentação de uma abordagem redutora da história do PCP à boleia do debate do BE sobre o seu fracasso eleitoral. Não lhe acrescenta sentido. Não havia necessidade.

As expressões vindas a público sobre o debate do BE não são distintas das que caracterizam, na circunstância de derrotas semelhantes, os debates noutros partidos. Não é o passado político de alguns dos seus protagonistas que explica o sentido e o rumo. A pretendida finura analítica perde-se na relação forçada e instrumental com acontecimentos que marcaram a vida do PCP que mereceriam do Vítor Dias um tratamento mais rigoroso. Até porque muitos dos que os viveram continuam vivos e sem desistir dos combates pela transformação do País que amamos. Muitos ficaram no PCP. Muitos saíram e foram legitimamente participar em outros projectos políticos. E muitos, saindo publica ou silenciosamente, não ingressaram sequer noutros projectos partidários, sem desistirem todavia de uma cidadania socialmente activa e transformadora.

O país é uma paróquia. Andamos todos por aí. Precisamos todos, sem azedumes ou ajustes de contas, de dialogar e caminhar juntos em muitas circunstâncias. Assumindo as diferenças sem as converter em arame farpado.

Sucede que estas eleições foram um terramoto político para as esquerdas sem paralelo nas últimas décadas.

Vamos ter a direita no poder por muito tempo. Um país convertido em protectorado de uma União Europeia capturada pelos mercados financeiros. Uma maioria absoluta. Um Presidente que já mostrou ao que vem. Um Governo que depende de si próprio, ou da sua implosão, apostado num programa ultraliberal e com uma clientela sedenta de pastas e de postas. Um PSD que sozinho tem mais deputados que todos os partidos à sua esquerda juntos. Com o brinde no bolo de poder resistir às chantagens de Jardim, cujos deputados madeirenses desta vez não afectam a sólida maioria PSD/CDS para aprovar o orçamento. E quanto ao CDS, nem que Cristo descesse à terra alguma vez este partido faria o haraquiri de juntar as suas tropas às esquerdas para apear o aliado de direita.

Tudo isto não é um susto. É um facto com que temos de viver e que temos de enfrentar nos tempos próximos. Não abdicando de compreender por que, apesar dos avisos e alertas à navegação, tantos optaram, em nome da mudança, por entregar o poder à direita que aceitou converter o País em protectorado e declarou querer ir ainda mais além do que os tormentos propostos pela troika e defendidos por Sócrates. Para que, compreendendo e aprendendo, não se caia na tentação do isolacionismo sectário e zangado, nem se perca a capacidade de diálogo com o País e os portugueses, que tiraria força e credibilidade à necessária resistência social. E para que, aprendendo, a próxima mudança possa ser no sentido da esquerda de verdade.

Agora, as esquerdas têm tempo. Muito tempo.

Saberão usá-lo para reagrupar forças, acrescentar lucidez e construir uma proposta que mobilize a maioria dos portugueses, os que agora votaram e aqueles que desistiram de votar ou votaram nulo ou em branco, antes que a cólera social que há-de vir e o desgaste da democracia política se juntem e procurem outros e perigosos escapes políticos?

Saberão gerir com lucidez e sem gula instrumental a sua relação com o movimento social de resistência a esta vaga ultraliberal que, para ser amplo e eficaz, precisa de autonomia e iniciativa própria, no mundo do trabalho e nos outros mundos?

Qual vai ser o resultado do processo de debate interno do PS e a posição dos socialistas de esquerda que aí permanecem? Vão ser a muleta “responsável” desejada pela direita e pelo presidente da CIP para cumprir o programa de governação da troika? Vão cumprir o seu papel de alternância de um centrão cada vez mais deslocado para a direita do espectro político, e atirando cada vez mais cidadãos comuns para fora do espaço de participação na política? Ou vão encetar outro rumo e abrir ao diálogo à sua esquerda, para que haja alternativas claras e confronto de projectos, e não este pasto murcho, de cores desbotadas, em que nos querem a todos encerrar?

Saberá o PCP ir além da auto satisfação com a manutenção do seu eleitorado e partir ao encontro das outras sensibilidades à esquerda, abandonando uma mera lógica de resistência?

Saberá o BE sair do buraco em que, em larga medida por culpa própria, se meteu (vejam-se, a esse propósito, as úteis análises de Daniel Oliveira aqui e de Miguel Portas aqui), recuperar dinamismo, fazer a renovação e ser parte de uma esquerda maior com futuro e que aspira a ser poder?

Os muitos cidadãos e sensibilidades à esquerda, que reúnem, debatem, produzem manifestos, justamente se amarguram com os impasses e os bloqueios, como vão organizar-se e dar o seu contributo para uma maior mobilização cidadã sem a qual não haverá nem construção de programa credível para uma alternativa nem refundação da esperança na realização de um tal projecto?

Muitas perguntas. Respostas a exigir uma grande mobilização cidadã. Um grande esforço de responsabilização individual. De recusa da desistência. De mobilização colectiva.

Porque algum dia vamos ter que juntar forças para que as esquerdas superem os muros que as dividem e não fiquem sujeitas à maldição de não passar da cepa torta. Para alcançar a prova provada de que são capazes de conquistar a confiança da maioria, exercer uma outra política e fazer política de outro modo no poder. Estas esquerdas, ou outras que os desafios exigirem, se estas não estiverem à altura dos tempos que aí vêm. A contagem decrescente já começou.
Na categoria Política, Cidadania | Com as tags PCP, Movimentos Sociais, PS, BE, Partidos | 4 Comentário

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