sexta-feira, 28 de março de 2008

Economia

A crise do Sub-Prime: Breve Guia

1.Imagine que um conjunto de pessoas (7,2 milhões de famílias, o que rondará os 30 milhões de pessoas) a quem nunca deveria ter sido concedido empréstimo para habitação decide mostrar o porquê de não serem merecedoras desse empréstimo, deixando de o pagar.
2.Imagine que o banco executa as hipotecas sobre essas casas.
3.Imagine que o número de execuções de hipotecas é tão elevado, que o preço das casas cai a pique, porque não há gente suficiente interessada em comprá-las. Por esse motivo, os bancos só conseguem reaver uma parte relativamente modesta do que emprestaram, o que começa a deixá-los em apuros, dado os valores envolvidos.
4.Imagine que há ainda uns milhões de pessoas que têm vindo a pagar os empréstimos, mas cujo valor da garantia que deram ao banco (o valor da casa), cai a pique, pelos motivos indicados no ponto 3. Ou seja: se deixam de pagar, o banco está tramado.
5.Tenha em conta que a desvalorização das casas pelos motivos indicados no ponto 3 leva, inevitavelmente, a uma crise profunda no sector da construção civil.
6. Imagine que esses milhões de pessoas com empréstimos por pagar trabalham na indústria da construção civil, ou numa indústria cuja prosperidade depende da prosperidade do sector da construção civil. Ou ainda numa industria cuja prosperidade depende da prosperidade de uma industria cuja prosperidade depende, por sua vez, da prosperidade do sector da construção civil. Sinta-se à vontade para acrescentar mais elos a esta cadeia. Eles existem.
7.Imagine agora que, por causa disso, essas pessoas perdem o emprego e deixam de pagar o empréstimo das casas, piorando bastante o já negro cenário indicado no ponto 3.
8.Imagine ainda que há pessoas que até nem perdem o emprego e podem continuar a pagar, mas que não acham muita piada ao facto de estarem a pagar um empréstimo de, vá lá, 200000?, por uma casa que agora já não vale mais de 50000?.
9.Imagine que essas pessoas, numa análise custo/benefício, pensam: que se lixe. O banco que fique com a batata quente. Vou deixar de pagar o empréstimo, porque sinto que estou a ser levado.
10.Imagine que o fenómeno é tão generalizado que muitos bancos não conseguem fazer face a tamanhas perdas, havendo o risco real de milhões de pessoas perderem os seus depósitos.
11.Imagine ainda que esses bancos, para emprestarem dinheiro aos seus clientes, foram pedir dinheiro emprestado a outros bancos, bancos esses que correm o inesperado risco de ficar, igualmente, a arder com enormes perdas.
12.Finalmente, imagine que isto acontece num país com um défice orçamental tremendo, e no qual a ocorrência de uma recessão, que leva a uma baixa das receitas fiscais, seria basicamente a morte do artista (e do Dolar), pois este deixaria de conseguir pagar os empréstimos resultantes da existência de dívidas (défice), existindo o sério risco de os títulos do tesouro americanos desvalorizarem a pique, assim como se desvalorizam ainda mais as poupanças das pessoas (singulares e colectivas) que têm depósitos em Dólares Americanos.

Se conseguir englobar todas estas imagens no seu cérebro, só me resta dizer-lhe uma coisa: Welcome to the USA!

Como atinge isto a Europa? Muitos dos bancos que emprestaram dinheiro a bancos americanos para estes, por sua vez emprestarem aos clientes, são Europeus (e asiáticos, africanos...).
Na hipótese remota de esta situação não ter impacto no sistema financeiro europeu (bem vistas as coisas, já teve, com a crise do Northern Rock, o que torna bastante provável que volte a ter...), não se esqueça que bastantes indústrias mencionadas no ponto 6 encontram-se no Velho Continente. Nem sonhe que a Europa passará ao lado de uma crise americana de tal dimensão. Impossível!

A título de curiosidade: Vamos ver se o FMI vai assumir as rédeas do governo americano, tal como tem feito em tantos outros países, nomeadamente em Portugal.

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