segunda-feira, 24 de março de 2008

Portugal..país de futuro(2)

De Mário Crespo



> PORREIRO, PÁ!!!
>
> Mário Crespo. Jornalista
>
> Pronto! Finalmente descobrimos aquilo de que Portugal realmente
> precisa: uma nova frota de jactos executivos para transporte de
> governantes. Afinal, o que é preciso não são os 150 mil empregos que
> José Sócrates anda a tentar esgravatar nos desertos em que Portugal se
> vai transformando. Tão-pouco precisamos de leis claras que impeçam que
> propriedade pública transite directamente para o sector privado sem
> passar pela Partida no soturno jogo do Monopólio de pedintes e
> espoliadores em que Portugal se tornou. Não precisamos de nada disso.
> Precisamos, diz-nos o Presidente da República, de trocar de jactos
> porque aviões executivos "assim" como aqueles que temos já não há "nem
> na Europa nem em África". Cavaco Silva percebe, e obviamente gosta, de
> aviões executivos. Foi ele, quando chefiava o seu segundo governo,
> quem comprou com fundos comunitários a actual frota de Falcon em que
> os nossos governantes se deslocam.
>
> Voei uma vez num jacto executivo. Em 1984 andei num avião presidencial
> em Moçambique. Samora Machel, em cuja capital se morria à fome, tinha,
> também, uma paixão por jactos privados que acabaria por lhe ser fatal.
> Quando morreu a bordo de um deles tinha três na sua frota. Um
> quadrimotor Ilyushin 62 de longo curso, versão presidencial, o
> malogrado Antonov-6, e um lindíssimo bimotor a jacto British Aerospace
> 800B, novinho em folha. Tive a sorte de ter sido nesse que voei com o
> então Ministro dos Estrangeiros Jaime Gama numa viagem entre Maputo e
> Cabora Bassa. Era uma aeronave fantástica. Um terço da cabina era uma
> magnífica casa de banho. O resto era de um requinte de decoração
> notável. Por exemplo, havia um pequeno armário onde se metia um
> assistente de bordo magro, muito esguio que, num prodígio de
> contorcionismo, fez surgir durante o voo minúsculos banquetes de tapas
> variadíssimas, com sandes de beluga e rolinhos de salmão fumado que
> deglutimos entre golinhos de Clicquot Ponsardin. Depois de nos mimar,
> como por magia, desaparecia no seu armário. Na altura fiz uma
> reportagem em que descrevi aquele luxo como "obsceno". Fiz nesse
> trabalho a comparação com Portugal, que estava numa craveira de
> desenvolvimento totalmente diferente da de Moçambique, e não tinha
> jactos executivos do Estado para servir governantes.
>
> Nesta fase metade dos rendimentos dos portugueses está a ser retida
> por impostos. Encerram-se maternidades, escolas e serviços de
> urgência. O Presidente da República inaugura unidades de saúde
> privadas de luxo e aproveita para reiterar um insuspeitado direito de
> todos os portugueses a um sistema público de saúde. Numa altura
> destas, comprar jactos executivos é tão obsceno como o foi nos dias de
> Samora Machel. Este irrealismo brutalizado com que os nossos
> governantes eleitos afrontam a carência em que vivemos ultraja quem no
> seu quotidiano comuta num transporte público apinhado, pela Segunda
> Circular ou Camarate, para lhe ver passar por cima um jacto executivo
> com governantes cujo dia a dia decorre a quilómetros das suas
> dificuldades, entre tapas de caviar e rolinhos de salmão. Claro que há
> alternativas que vão desde fretar aviões das companhias nacionais até,
> pura e simplesmente, cingirem-se aos voos regulares. Há governantes de
> países em muito melhores condições que o fazem por uma questão de
> pudor que a classe que dirige Portugal parece não ter.
>
> Vi o majestático François Miterrand ir sempre a Washington na Air
> France. Não é uma questão de soberania ter o melhor jacto executivo do
> Mundo. É só falta de bom senso. E não venham com a história que é
> mesquinhez falar disto. É de um pato-bravismo intolerável exigir ao
> país mais sacrifícios para que os nossos governantes andem de jacto
> executivo. Nós granjearíamos muito mais respeito internacional
> chegando a cimeiras em voos de carreira do que a bordo de um qualquer
> prodígio tecnológico caríssimo para o qual todo o Mundo sabe que não
> temos dinheiro.
>
> Mário Crespo, escreve à 2ªf no JN
>
>
>
> NB-Este artigo de Mário Crespo traduz a realidade dum país adiado...Portugal

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