domingo, 9 de janeiro de 2011

TEXTO9 PUBLICADO NO J.N,

Texto do Oscar Mascarenhas, publicado no JN


O tremeliques palavroso - Ontem
Tive imensa sorte, na minha juventude, por nunca haver sido confrontado
com a obrigação de assinar a declaração de «conformidade» do famigerado
decreto 27003, exigido pela ditadura. Seria para mim angustioso sujeitar a
honra a uma mentira, mas confesso que, se fosse obrigado, assinaria.
Ninguém via heroísmo redentor nessa estóica recusa.
Por bênção dos deuses, o maldito decreto foi revogado por Marcello Caetano
antes de a situação se me colocar. Dessa estou «imaculado», mas não atiro
um grão de areia a quem firmou de cruz aquele papel: o cobarde não foi
quem assinou, cobarde era quem obrigava a assinar.
Por isso, não liguei muito à notícia da declaração assinada de Cavaco
Silva à PIDE. Só despertei da modorra, quando ouvi o candidato dizer que
não se lembrava do episódio. Aí, pára: ou o cavalheiro mente
desavergonhadamente, ou sofre de um Alzheimer muito adiantado a justificar
um Conselho de Estado para o interditar.
Ninguém, mas ninguém mesmo, se esquece de quando foi obrigado a ir à PIDE:
fica na memória para sempre. É que esta, para mais, foi uma declaração
presencial, certificada na hora pelo chefe de brigada da Pide e por isso
dispensada de reconhecimento notarial. Tem ele o despudor de dizer que não
se lembra? Abram a ala VIP da psiquiatria, por favor!
A mentira (ou doença incurável do candidato) tornou-me mais atento. O que
me chamou mais a atenção foi a anotação final, num espaço de
preenchimento facultativo, a dizer que «não priva» com a segunda mulher do sogro,
dando o nome completo da senhora.
Ah, isso é demais - e nada tem a ver com «tentativas de o ligar ao
anterior regime», como Cavaco se lamuriou. Nada! A ligação é só à sua
têmpera, à sua capacidade ou não de enfrentar situações difíceis. Toda a
gente de bem que conheci, desafecta ou mesmo afecta ao salazarismo,
respeitava este princípio: à polícia (e então à secreta!) só se diz o mínimo. Era
questão de fidalguia, de sobranceria, de desprezo. Não era exigido a Cavaco que
escrevesse o nome da segunda mulher do sogro e muito menos que declarasse
que não privava com ela. Qualquer um com dois dedos de siso saberia que
isso iria pôr a PIDE de sobreaviso contra a senhora - ou então queria mesmo denunciá-la.
Cavaco não seria tão reles: apenas estaria tão tremeliques que escreveu
até o que não queria, coitado. E logo ele que diz que há palavras de mais
na política. Lá sabe do que fala, quando falou, à PIDE, do que não devia
ter falado.
A desgraça é que o tremeliques tem ainda menos cura que o Alzheimer.

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