Constâncio - o pseudo governador do banco central português
Ricardo Costa
A nacionalização do BPN é um acto inevitável mas injusto. Inevitável no actual quadro bancário e na crise que atravessamos. Apesar de representar uma pequena percentagem do nosso sistema bancário, a falência do BPN podia provocar ondas de choque desastrosas. E o governo não podia deixar que isso acontecesse. Neste momento ninguém está disposto a repetir os erros da administração americana e Gordon Brown passou a ser o meridiano de todos os executivos. A incerteza dos depositantes, que viveriam situações desesperadas, o desemprego de milhares de funcionários (numa altura em que o mercado dificilmente os ia absorver), e o pânico na banca de retalho levaram à única decisão possível. Neste sentido a nacionalização é boa e a Caixa vive bem com ela.
Mas esta história é absolutamente injusta. Os jornalistas já tinham avisado vezes sem conta. Os auditores igualmente e, por isso, iam sendo afastados. A rotatividade de administradores era comentada no mercado e muitos dos que iam saindo nunca tiveram problemas em dizer porque o faziam. O mau nome do BPN na Polícia Judiciária e no Ministério Público era absolutamente recorrente e anterior à Operação Furacão. É espantoso como é que o Banco de Portugal deixou que tudo tivesse chegado a este ponto. Constâncio é como se não tivesse existido.
À medida que os dias passam, o número de factos e suspeitas cresce, numa repetição 'hard-core' do filme que já vimos no BCP: 90 veículos sedeados em paraísos fiscais, registo de mais-valias fictícias, um banco de fachada em Cabo Verde, acções próprias não reportadas, sociedades instrumentais que se financiavam junto do próprio banco, sobreavaliação de activos imobiliários, concentração de crédito excessiva, negócios a mais entre o banco e os seus accionistas, e, pasme-se, 8 páginas de reservas na auditoria da Deloitte de 2002!
Caso Vítor Constâncio não se lembre estamos em 2008. Ou seja, durante 6 anos nenhum destes problemas foi resolvido. Muito pelo contrário, agravaram-se e acabaram em perdas acumuladas de mais de 700 milhões de euros e no recurso à "mão visível" do Estado. É isto que Constâncio deve ver: o Banco de Portugal falhou em toda a linha como já tinha falhado no BCP. Em Portugal não existe regulação bancária. A nossa sorte é que a maior parte dos bancos estão cotados, a concorrência é enorme, e isto obriga ao cumprimento de regras muito apertadas. Se estivéssemos dependentes do Banco de Portugal caminhávamos para o abismo... e Constâncio chegaria lá com uns aninhos de atraso.
É óbvio que o nosso Banco Central continua a funcionar como se Portugal não estivesse no Euro (e o BCE não fizesse nada) e como se o sistema bancário ainda fosse o dos anos 80. Hoje em dia a função reguladora do Banco de Portugal é vital. Porque é que o Parlamento não pede uma auditoria externa para comparar a organização, funcionamento e meios do nosso Banco Central com o dos outros países da UE? Isso é que era uma medida útil.
Até que isto se faça, cá continuaremos a viver com dois reguladores hiperactivos e especialistas na caça à multa, a ASAE e a ERC. E ficaremos abandonados à mão invisível e paralisada da Autoridade da Concorrência e do Banco de Portugal. Podemos dormir descansados: se o professor Marcelo falar mais um minuto que o Vitorino, a ERC põe a RTP em sentido; se uma bola de Berlim circular pelo sotavento algarvio sem cumprir 20 normas de higiene será apreendida. Mas se as gasolineiras actuarem em cartel nada vai acontecer. E se o seu banco estiver a ser gerido de forma danosa também não. Em Portugal é mais fácil levar um banco à insolvência do que vender uma bola de Berlim na praia.
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Ricardo Costa, Director geral adjunto da SIC
Recebi, sem indicação donde foi retirado.
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