quarta-feira, 27 de julho de 2011

CLARA FERREIRA ALVES

CLARA FERREIRA ALVES

Não admira que num país assim emerjam cavalgaduras, que chegam ao
topo, dizendo ter formação, que nunca adquiriram, que usem dinheiros
públicos (fortunas escandalosas) para se promoverem pessoalmente face
a um público acrítico, burro e embrutecido.

Este é um país em que a Câmara Municipal de Lisboa, desde o 25 de
Abril distribui casas de RENDA ECONÓMICA - mas não de construção
económica - aos seus altos funcionários e jornalistas, em que estes
últimos, em atitude de gratidão, passaram a esconder as verdadeiras
notícias e passaram a
"prostituir-se" na sua dignidade profissional, a troco de participar
nos roubos de dinheiros públicos, destinados a gente carenciada, mas
mais honesta que estes bandalhos.

Em dado momento a actividade do jornalismo constituiu-se como O
VERDADEIRO PODER. Só pela sua acção se sabia a verdade sobre os podres
forjados pelos políticos e pelo poder judicial. Agora contínua a ser o
VERDADEIRO PODER
mas senta-se à mesa dos corruptos e com eles partilha os despojos,
rapando os ossos ao esqueleto deste povo burro e embrutecido. Para
garantir que vai continuar burro o grande cavallia (que em português
significa cavalgadura) desferiu o golpe de morte ao ensino público e
coroou a acção com a criação das Novas Oportunidades.

Gente assim mal formada vai aceitar tudo e o país será o pátio de
recreio dos mafiosos.

A justiça portuguesa não é apenas cega. É surda, muda, coxa e marreca.

Portugal tem um défice de responsabilidade civil, criminal e moral
muito maior do que o seu défice financeiro, e nenhum português se
preocupa com isso, apesar de pagar os custos da morosidade, do
secretismo, do encobrimento, do compadrio e da corrupção. Os
portugueses, na sua infinita
e pacata desordem existencial, acham tudo "normal" e encolhem os
ombros. Por uma vez gostava que em Portugal alguma coisa tivesse um
fim, ponto final, assunto arrumado. Não se fala mais nisso. Vivemos no
país mais inconclusivo do mundo, em permanente agitação sobre tudo e
sem concluir nada.

Desde os Templários e as obras de Santa Engrácia, que se sabe que,
nada acaba em Portugal, nada é levado às últimas Consequências, nada é
definitivo e tudo é improvisado, temporário, desenrascado.

Da morte de Francisco Sá Carneiro e do eterno mistério que a rodeia,
foi crime, não foi crime, ao desaparecimento de Madeleine McCann ou ao
caso Casa Pia, sabemos de antemão que nunca saberemos o fim destas
histórias, nem o
que verdadeiramente se passou, nem quem são os criminosos ou quantos
crimes houve.

Tudo a que temos direito são informações caídas a conta-gotas,
pedaços de enigma, peças do quebra-cabeças. E habituámo-nos a
prescindir de apurar a verdade porque intimamente achamos que não
saber o final da história é uma coisa normal em Portugal, e que este é
um país onde as coisas importantes são "abafadas", como se vivêssemos
ainda em ditadura.

E os novos códigos Penal e de Processo Penal em nada vão mudar este
estado de coisas. Apesar dos jornais e das televisões, dos blogs, dos
computadores e da Internet, apesar de termos acesso em tempo real ao
maior número de notícias de sempre, continuamos sem saber nada, e
esperando nunca vir a saber com toda a naturalidade.

Do caso Portucale à Operação Furacão, da compra dos submarinos às
escutas ao primeiro-ministro, do caso da Universidade Independente ao
caso da Universidade Moderna, do Futebol Clube do Porto ao Sport
Lisboa Benfica,
da corrupção dos árbitros à corrupção dos autarcas, de Fátima
Felgueiras a Isaltino Morais, da Braga Parques ao grande empresário
Bibi, das queixas tardias de Catalina Pestana às de João Cravinho, há
por aí alguém quem acredite que algum destes secretos arquivos e seus
possíveis e alegados, muitos alegados crimes, acabem por ser
investigados, julgados e devidamente punidos?

Vale e Azevedo pagou por todos?

Quem se lembra dos doentes infectados por acidente e negligência de
Leonor Beleza com o vírus da sida?

Quem se lembra do miúdo electrocutado no semáforo e do outro afogado
num parque aquático?

Quem se lembra das crianças assassinadas na Madeira e do mistério dos
crimes imputados ao padre Frederico?

Quem se lembra que um dos raros condenados em Portugal, o mesmo padre
Frederico, acabou a passear no Calçadão de Copacabana?

Quem se lembra do autarca alentejano queimado no seu carro e cuja
cabeça foi roubada do Instituto de Medicina Legal?

Em todos estes casos, e muitos outros, menos falados e tão sombrios e
enrodilhados como estes, a verdade a que tivemos direito foi nenhuma.

No caso McCann, cujos desenvolvimentos vão do escabroso ao incrível,
alguém acredita que se venha a descobrir o corpo da criança ou a
condenar alguém?

As últimas notícias dizem que Gerry McCann não seria pai biológico da
criança, contribuindo para a confusão desta investigação em que a
Polícia espalha rumores e indícios que não têm substância.

E a miúda desaparecida em Figueira? O que lhe aconteceu? E todas as
crianças desaparecidas antes delas, quem as procurou?

E o processo do Parque, onde tantos clientes buscavam prostitutos,
alguns menores, onde tanta gente "importante" estava envolvida, o que
aconteceu?

Arranjou-se um bode expiatório, foi o que aconteceu.

E as famosas fotografias de Teresa Costa Macedo? Aquelas em que ela
reconheceu imensa gente "importante", jogadores de futebol,
milionários, políticos, onde estão? Foram destruídas? Quem as destruiu
e porquê?

E os crimes de evasão fiscal de Artur Albarran mais os negócios
escuros do grupo Carlyle do senhor Carlucci em Portugal, onde é que
isso pára?

O mesmo grupo Carlyle onde labora o ex-ministro Martins da Cruz,
apeado por causa de um pequeno crime sem importância, o da cunha para
a sua filha.

E aquele médico do Hospital de Santa Maria, suspeito de ter
assassinado doentes por negligência? Exerce medicina?

E os que sobram e todos os dias vão praticando os seus crimes de
colarinho branco sabendo que a justiça portuguesa não é apenas cega, é
surda, muda, coxa e marreca.

Passado o prazo da intriga e do sensacionalismo, todos estes casos são
arquivados nas gavetas das nossas consciências e condenados ao
esquecimento.
Ninguém quer saber a verdade. Ou, pelo menos, tentar saber a verdade.

Nunca saberemos a verdade sobre o caso Casa Pia, nem saberemos quem
eram as redes e os "senhores importantes" que abusaram, abusam e
abusarão de
crianças em Portugal, sejam rapazes ou raparigas, visto que os abusos
sobre meninas ficaram sempre na sombra.

Existe em Portugal uma camada subterrânea de segredos e injustiças ,
de protecções e lavagens, de corporações e famílias, de eminências e
reputações, de dinheiros e negociações que impede a escavação da
verdade.

Este é o maior fracasso da democracia portuguesa

Clara Ferreira Alves - "Expresso"

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