No início, falava-se de uma crise imobiliária, depois falou-se de uma crise bancária, passando depois para uma crise económica que atingiu os Governos e que acabou por afectar, de uma forma ou de outra, a vida de todo o cidadão. Até o cinema já começa a interessar-se por este tema – a crise financeira. Ora, o que é que esta crise tem a ver com os pais, com as crianças e com os jovens?
O propósito deste artigo é de partilhar a minha reflexão baseada na visão do professor universitário e antropólogo social belga Paul Jorion, que há já alguns anos se debruça sobre a análise destes fenómenos de crise desde tempos mais recuados até uma perspectiva futura. A sua bagagem científica e cultural proporciona uma visão mais alargada, a meu ver interessante, sobre a origem desta crise. Este professor universitário faz parte dos raros observadores que previu a famosa crise dos empréstimos subprimes, em 2008, nos Estados Unidos. Entre nós temos, por exemplo, o Dr. Henrique Medina Carreira, que desde há muito que vem alertando para a crise nacional que se estava a aproximar a largos passos e que vias alternativas se poderiam tomar para a travar. Mas porquê falar de economia? Porque somos todos nós que constituímos a economia.
Voltando a Paul Jorion e à sua análise, vejamos como foi possível chegar onde se chegou. Logo a seguir à Segunda Guerra Mundial a economia americana era a única economia em condições de ajudar a reconstrução da Europa arruinada. Foi o plano Marshall, conhecido oficialmente como o Plano de Recuperação Europeia, que possibilitou esta ajuda. Durante os trinta anos que se sucederam ao final da Guerra, período conhecido como os Trinta Gloriosos Anos o sistema de crédito e a circulação de capitais foram definidos por cada Governo. Foram anos de um brilhante crescimento económico onde todos beneficiaram. Os impostos arrecadados permitiram investir na educação, na saúde e nas prestações sociais e proporcionarem paz e prosperidade económica para uma grande maioria de pessoas.
Porém, a revolta liberal dos anos 70 veio desfazer, a pouco e pouco, todas as regras e todos os parapeitos de protecção estabelecidos depois da Segunda Guerra Mundial. Abriram-se as portas para que certas pessoas, decerto pouco equilibradas, ou seja com áreas cerebrais funcionais atrofiadas em níveis diferentes, provavelmente por falta de um desenvolvimento infantil psicológico saudável, encontrassem formas de se enriquecer sem nenhuma visão humana da realidade. Mas então não é normal querer enriquecer-se? Claro que sim, mas até onde e de que maneira? A que custo? Prejudicando quem ou o quê?
Quando o indivíduo não consegue desenvolver o seu potencial humano, onde os pais e os adultos próximos das crianças e dos jovens têm um papel principal, corre o risco de ficar “preso” no sistema primitivo de busca permanente de recompensa e de prazer que a conduz a comportamentos oportunistas utilizando, de forma distorcida, as informações que lhe chegam para benefício próprio. Este comportamento não é mais do que uma estrutura que adquiriu para encarar a vida. Não é nenhum louco. É uma pessoa racional, inteligente e até pode ter tirado um curso superior. Pode revelar-se uma pessoa de trato agradável, simpática e hábil na comunicação. Conhece as regras quando existem, no entanto, decide seguir as suas próprias e não as previamente estabelecidas. Não tem uma boa coordenação cerebral entre aquilo que diz e aquilo que sente. As suas palavras não têm nenhum significado profundo a não ser para manipular o outro. Possui dificuldades em lidar, modular as suas emoções, em relação ao que pretende dizer ou actuar porque não se desenvolveu num ambiente favorável para experimentar adequadamente as emoções enquanto criança.
Pessoas com estas características, uma vez inseridas num circuito, quer seja político, empresarial ou outro, tudo tentam para alcançar postos cada vez mais importantes, sem nunca terem tido oportunidade para desenvolverem as estruturas mentais necessárias que lhes permitissem ter acesso ao bom senso ou a alguma ética fundamental. O bom senso não se ensina às crianças e aos jovens com conteúdos escolares, mas vai-se construindo através da relação com os adultos próximos e, nomeadamente, com os pais. E é muito complicado, para não dizer impossível, desenvolver estas estruturas mentais necessárias na idade adulta.
Imagine-se agora os danos que um indivíduo destes pode causar quando se encontra inserido num contexto social onde não há controlo. Os danos causados ameaçam seriamente a credibilidade das instituições, das empresas, favorece as falências e com consequências nos postos de trabalho. Os investimentos absurdos são uma constante neste tipo de pessoas. O seu cérebro, obstruído nesta área, é míope não conseguindo ponderar entre a própria realidade e o futuro. Não consegue ponderar as situações. E não é porque não queira, simplesmente não o consegue. São pessoas que funcionam apenas nas estruturas primitivas baseadas essencialmente no medo, quando o sentem, ou numa visão de grandiosidade, sem acesso às estruturas humanas mais evolutivas que permitem uma visão global do bom senso e da realidade.
Voltando ao contexto da revolta liberal dos anos 70, que permitiu que os lucros das empresas fossem apenas retribuídos aos dirigentes, aos accionistas (as chamadas stocks-options) e ainda segundo a análise de Paul Jorion, levou a que menos impostos fossem tributados pelos Estados. A robotização, a substituição de máquinas pelos postos de trabalhos melhoraram as condições de vida, mas também contribuíram para que houvesse menos aumentos salariais como tinha acontecido durante os Trinta Gloriosos Anos. Os dirigentes e os accionistas não se preocuparam muito com o criar novos postos de trabalho. Para mais, a deslocalização de empresas para países com mais baixo custo de mão-de-obra não deixou muito espaço para revindicações sindicais.
Passou-se, assim, dos Trinta Gloriosos Anos aos cerca de trinta anos deficitários onde se verificou um aumento crescente da taxa de desemprego ano após ano. O pouco crescimento económico alcançado foi apenas para uma minoria de pessoas e que terminou por nos levar à crise actual. A crise que se está a viver, não surgiu por acaso, revela algo de profundo que não estava bem e que acabou, com o decorrer do tempo, por vir agora à superfície.
Ao mesmo tempo, para limitar as tensões sociais “inventou-se” o acesso ao crédito. Isto é, não se aumentam os salários nem os impostos das empresas, mas dá-se ao cidadão a possibilidade de adquirir bens de valor elevado, como casa própria, carro, que corresponde a vários anos de salário e cujo reembolso é efectuado mensalmente em pequenas prestações. Em Portugal, antes do 25 de Abril, só um número reduzido de pessoas tinham possibilidade de comprar casa. O ter acesso ao crédito não é nocivo, mas quando de uma forma instantânea e inconsciente fomenta a ilusão de uma subida no estatuto social, é como que uma promoção, a de ser aumentado sem que na realidade o seja e que, particularmente, contribui para evitar as possíveis tensões sociais, porque, psicologicamente falando, abre as portas ao imaginário.
A sociedade depara-se, neste momento, com uma verdadeira experiencia social de grande escala. Por um lado, assiste-se a famílias, a bancos e a Governos cada vez mais endividados, com os jovens a terem cada vez mais dificuldade em se inserirem no mercado do trabalho e, por outro lado, tem-se uma minoria de pessoas com fortunas colossais que vivem, essencialmente, dos juros dos seus investimentos.
Para o professor Paul Jorion a crise não resulta do facto de se viver para além das possibilidades, mas, sim, porque se deixou de pagar às pessoas o que lhes é correctamente devido. Tentou-se substituir a retribuição correcta com o crédito, reembolsado mais tarde levando a que as pessoas começassem a se endividar cada vez mais, diminuindo o seu poder de compra. Pouco a pouco, esta ideia do crédito alargou-se às empresas, aos bancos, as companhias de seguro e aos Governos. O crédito em si não causa nenhum problema uma vez que é um investimento com um valor bem definido. No entanto, ao longo dos anos, formou-se uma cadeia cada vez maior de entidades envolvidas nos créditos sendo suficiente que um não possa cumprir os reembolsos para que toda a esta cadeia esteja comprometida. E, isso sim, tornou-se num grande problema a nível mundial.
É verdade que há uma ausência de regras e de ética no mundo financeiro que está a ser cada vez mais reconhecida internacionalmente e cabe aos políticos reflectirem nisso e decidirem as medidas a tomar.
Desta forma, e para concluir, é preciso ter em conta que mesmo com as regras impostas e sem dúvida necessárias é essencial que os pais estejam melhor preparados para conseguirem o desenvolvimento saudável do potencial humano, porque as pessoas com os tais comportamentos oportunistas são capazes até de investir fortunas para contornarem as regras e as leis. Ao invés, um indivíduo que desenvolveu o seu potencial humano de forma psicologicamente saudável modula as emoções de dimensão social que o impede de prejudicar os demais e encontrar outras vias sãs para o seu bem-estar.
António Valentim
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