segunda-feira, 17 de outubro de 2011

FILHOS DA... ( istio não acaba bem... não acaba mesmo)

O escândalo é um bicho inteligente. Perseverante. Triunfa pela repetição. E, assim, o que há um ano incendiava hordas hoje não levanta um sobrolho.


O escândalo é um bicho inteligente. Perseverante. Triunfa pela repetição. E, assim, o que há um ano incendiava hordas hoje não levanta um sobrolho. Talvez seja relativismo. Ou apenas cansaço. Mais um fundo de pensões vai ser transferido? Não há problema. Não há sequer debate. Afinal, é apenas mais um. Mesmo que seja o maior. Mesmo que seja um favor à banca. Mesmo que seja uma ameaça aos bancários e um risco para os contribuintes.



O extraordinário, uma vez repetido, passa a ordinário. Em 1997, o País pasmou com a transferência do fundo do BNU. Depois, com o dos CTT. Porque eram receitas extraordinárias para tapar os défices de um ano. Porque traziam mais défices para os anos seguintes. O Tribunal de Contas arrasou, aliás, o expediente. Em 2010, há menos de um ano, nova bronca: a transferência do fundo de pensões da PT serviu para maquilhar mais um défice e, mesmo bem "fundeado" (já lá vamos), o fundo trouxe risco. Verão de 2011: é anunciada pela troika (não pelo Governo...) a transferência do fundo de pensões dos bancários para o regime geral da Segurança Social. Alguns cães ladram. A caravana passa. Discretamente.



Como é possível a transferência do fundo de pensões ser boa para a banca e para o Estado ao mesmo tempo? Não é. Por muitas razões. A primeira é a mais óbvia: há um efeito positivo no primeiro ano nas contas públicas (quando entram os activos) que passa a ser negativo todos os anos daí em diante (quando se pagam as pensões). Mas há outra razão, mais importante: a de que o risco mudou dos bancos para o Estado. É por isso que os bancos há anos pediam a benesse. Para extirpar o risco.



A transferência do fundo de pensões da banca é (como aconteceu na PT) completamente "fundeada": todas as responsabilidades estão provisionadas, pelo que o saldo é neutro para o Estado. Certo? Bom, talvez. Depende dos critérios. Dos chamados critérios actuariais, ou seja, da esperança média de vida prevista e da taxa de actualização das responsabilidades futuras. Mais 1% na taxa de desconto e tudo muda; mais um ano de vida dos pensionistas e a felicidade de uns é o défice de outros. Quantos anos viverão os pensionistas ao certo? Deseja-se que muitos, mas é impossível saber. E por isso se chama risco. Risco que sai dos balanços dos bancos para o do Estado. Deixa de ser dos accionistas dos bancos para passar a ser dos contribuintes.



Não há aqui negociata, é trigo limpo e a banca até está a precisar de amparo. Mas não nos tomem por parvos. Nem na PT, nem nos bancos.



Mas há mais. Esta transferência é especialmente complicada porque os bancários têm condições especiais em relação aos trabalhadores que descontam para o regime geral. E uma delas é central: o desconto mensal de um trabalhador "normal" é de 11%, o de um bancário é de 5%. Com a transferência do fundo de pensões, esta diferença de descontos é inaceitável. Por isso, ou os bancários passam a descontar mais e, portanto, a ganhar menos salário líquido, ou os bancos aumentam os seus salários brutos de modo a compensar o desconto adicional e manter o salário líquido. A primeira hipótese é mata para uns, a segunda é esfola para outros. Como será? Não se sabe. Provavelmente não está sequer decidido. Por isso é que a transferência vai começar pelos bancários que já estão reformados. Esses, 35 mil, já não descontam, nem 11% nem 5%.



Os fundos de pensões "privados" são uma herança do passado maldita pelo presente. Porque quase todos têm pouca gente no activo a contribuir para os que estão a beneficiar. Como acontece, aliás, no regime geral Segurança Social. Só que este não é transferível a não ser para as gerações futuras. E agora acolherá também os bancários. Sejam bem-vindos à insustentabilidade.

A



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