UMA BOA FOTOGRAFIA DA CRISE QUE NÃO NOS DEIXA E QUE, PELOS VISTOS, NÃO NOS DEIXARÁ TÃO CEDO.
jf
"Não há pior analfabeto que o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. O analfabeto político é tão burro que se orgulha de o ser e, de peito feito, diz que detesta a política. Não sabe, o imbecil, que da sua ignorância política é que nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, desonesto, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo."
Bertolt Brecht (1898-1956)
Seria aceitável que os mesmos Estados que se empenham em proteger os seus cidadãos contra os malefícios do tabaco fizessem o mesmo relativamente ao crédito. Entre nós, porventura, dado o nível de endividamento do país e conhecida que é a ignorância da maioria dos consumidores na matéria, seria mesmo recomendável.
Ontem, o Banco de Portugal poderia tê-lo feito. Utilizou o mecanismo certo, a fixação de um tecto máximo, mas, ao colocá-lo ao nível da média das taxas praticadas no último trimestre majoradas de mais um terço, o que fez foi estimular ainda mais a usura e transmitir a mensagem da possibilidade, legítima e legal, da cobrança de juros ainda mais absurdamente elevados : a partir de Janeiro, os juros máximos que poderão ser cobrados no crédito pessoal serão de 19,6 por cento, no crédito automóvel de 16,1 por cento e nos cartões de crédito de 32,8 por cento.
Na base da fixação de juros tão elevados, aos quais a maioria nem presta atenção, preferindo olhar para o valor em euros da prestação mensal respectiva, estará aquela lengalenga da remuneração crescente do risco associado a cada tipo de operação. Prevalece uma lógica que demonstra bem o que a actual crise não ensinou: que a concessão de crédito não se resume a uma questão de preços e que o crédito deve ser vedado a quem, porque aufere rendimentos baixos, não tem capacidade para se endividar (ilustrei-o, em tom de brincadeira, aqui). Comprovadamente, caso este não seja o princípio seguido, para além das réplicas perfeitas de amontoados de incobráveis que, por todo o mundo, foram resolvidos com o dinheiro dos contribuintes, o resultado é, no melhor dos cenários, o da oneração daqueles que têm capacidade de endividamento com a remuneração do risco daqueles que não a têm.
E nem vou aqui detalhar questões de ordem ética ou relacionadas com os custos sociais do fenómeno dos cada mais novos pobres, presas fáceis dos abutres da pobreza que graça no país. Com toda a certeza que não foi a pensar neles – nos primeiros, bem entendido – que o Banco de Portugal fixou estes limites e o objectivo deste post não é o de, eventualmente, despertar a acusação de “superioridade moral” com a qual aqueles que não têm outro argumento costumam brindar quem se insurja contra as suas vergonhas de estimação. Não serão, contudo, abordagens despropositadas.
Filipe Tourais
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