quinta-feira, 22 de setembro de 2011

ANGOLA

Uma hora dentro da loja da Hugo Boss, na avenida da Liberdade, em Lisboa, e três mil euros gastos em t-shirts, camisas e calças da famosa marca alemã enchem de brilho os olhos de Luís Carlos. As compras são um presente do tio, empresário angolano, que numa escala da viagem de negócios com destino ao Brasil ajuda a renovar o guarda-roupa do sobrinho de 24 anos, estudante de engenharia informática na Universidade Autónoma. As intenções de Luís Carlos são claras: voltar a Angola mal termine o curso e enveredar pelos negócios da família. "Aqui é bom para estudar e conviver, mas lá é melhor para trabalhar". É de passagem que a alta sociedade angolana gasta dinheiro em Portugal. Os voos diários trazem uma nova vaga de gente endinheirada que garante a sobrevivência das lojas de luxo da avenida mais cara de Lisboa – e a 10ª mais cara do Mundo. E a movida nocturna alimenta-se da elite de jovens angolanos nas exclusivas ‘Festas do Trixu’, onde se entra por convite e se consome champanhe de quatro mil euros. Enquanto isso, jantam n’ O Largo, no largo de S. Carlos, ou no Porto de Santa Maria, no Guincho.Portugal está em saldos, com uma carteira de privatizações que inclui TAP, EDP e REN, entre outras, bancos a necessitar de capital, indústrias a abrir falência e casas desvalorizadas pela crise cativam os angolanos, que vêem Portugal como um patamar estratégico. 35 MILHÕES DE EUROSSegundo a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (Aicep), entre Janeiro e Junho de 2011 os angolanos investiram 35 milhões de euros em Portugal. Um número significativo tendo em conta que no total de 2010 esse valor foi de 45 milhões de euros e em 2009 – ano recorde – chegou aos 116 milhões. A procura de Portugal deve-se ao facto de partilhar a mesma língua, ter afinidades históricas e culturais e à localização geográfica como plataforma entre os vários continentes. Tanto que a Invest Lisboa, parceira da AICEP, organizou uma conferência em Luanda, em Maio último, destinada a cativar investidores angolanos para Portugal. ‘Lisboa é a sua capital europeia’ era o slogan destinado a um grupo de empresários com capacidade e dimensão para investir internacionalmente. "Muitos deles têm afinidade com o nosso País, onde estudaram, e há uma grande comunidade angolana. Mas estes investimentos funcionam caso a caso, pois os angolanos que têm feito as maiores aplicações em Portugal não precisam dos nossos serviços, têm outros meios e contactos para o fazer em grandes empresas e na Banca", diz Rui Coelho, da Invest Lisboa. A chegada de novos investidores "é resultado da evolução da economia e da sociedade angolanas nos últimos tempos", diz Mira Amaral, presidente do banco BIC – empresa de capitais luso-angolanos, que recentemente adquiriu o BPN por 40 milhões de euros. "Começaram no sector imobiliário, com compra de casas na zona da Grande Lisboa, muitas vezes para os filhos que vêm estudar em Portugal, e estão a alargar à indústria transformadora, aplicações financeiras, têm bancos a operar cá, como o BAI e o BPA, que dinamizam as relações luso-angolanas", frisa. "Se queremos estar em Angola é normal que o oposto aconteça. Há vantagem nessa cooperação, pois os nossos quadros ficam envolvidos no negócio, o que não acontece com franceses ou espanhóis".Para a Associação Portuguesa de Mediação Imobiliária, o investimento angolano em Portugal, público e privado, "é bastante perceptível". Representa cerca de 10% das vendas de luxo em Portugal da imobiliária Century 21. O maior número de transacções "acontece em Lisboa, Algarve e Linha de Cascais" e o objectivo é "investir ou ter segunda casa", diz Ricardo Sousa, director-geral.O CLÃ DOS SANTOSNão é por acaso que o presidente José Eduardo dos Santos foi considerado o 6º mais poderoso da economia portuguesa pelo ‘Jornal de Negócios’. Em Março de 2009 afirmou que os investimentos "eram tímidos" mas em 2010 3,8% do mercado bolsista português era de capital angolano. Foi Isabel dos Santos, a toda-poderosa filha do presidente, quem começou a dar a cara em Portugal, quando em finais de 2009 adquiriu 10% do capital da ZON por 164 milhões de euros. Consolidou a presença através de holdings, detidas pela engenheira licenciada em Inglaterra e pela Sonangol – a petrolífera estatal angolana presidida por Manuel Vicente, já indicado como ‘futuro presidente’. Atrás do topo da hierarquia surge um séquito que inclui Hélder Dias Vieira, chefe da casa militar, com interesses no Douro e na área financeira, o ex-ministro Higino Carneiro, que tem investimentos na hotelaria e restauração em Lisboa, e outros da lista dos dez mais ricos de Angola, como a família van Dunen ligada à Newshold – dona do ‘Sol’, ou o general João de Matos, ligado à finança.Em 2008, a Casa Agrícola Reboredo Madeira – proprietária de várias quintas de produção de azeite e vinhos – vendeu ao general Hélder Vieira Dias, conhecido como ‘Kopelipa’, duas propriedades no Douro – as Quintas da Serra e da Pedra Cavada. O angolano é um dos homens fortes do regime: braço-direito de José Eduardo dos Santos, assumiu em 2006 a liderança dos serviços secretos. "Negociámos com perfeita franqueza. Eles fizeram uma belíssima compra e eu uma venda razoável. Vendi por um milhão de euros, mas foi praticamente de graça no sentido em que se localizam no Douro Superior, onde estão os terrenos com maior aptidão. Podem sair dali dos melhores vinhos do Mundo", explica Celso Madeira, presidente do conselho de administração da CARM, empresa que continua ligada à exploração das duas quintas, até aqui abandonadas. "A ideia do comprador é exportar para Angola", diz, explicando que as negociações se fizeram por intermédio de uma das empresas de ‘Kopelipa’ em Portugal, a World Wide Capital, holding com sede em Lisboa, criada em 2007. POLÍTICOS E EMPRESÁRIOSTambém Monteiro Pinto Kapunga é um nome que pode dizer pouco aos portugueses mas bem conhecido dos angolanos. Empresário de 50 anos, é deputado do MPLA pelo círculo eleitoral de Malange, onde também tem um hotel, o Yolaka. Há poucos anos, em conversa com o agricultor português José Garção, que conheceu em Angola, constituiu a Olega, sociedade para produção de azeite, sediada em Vila Boim, Elvas, com 90% de capital angolano – de Kapunga e de Vanda Macedo. Abriram assim as portas para um lagar de azeite que exporta 50% do que produz, sendo que 30 a 40% se destina ao mercado angolano. A empresa investiu 1,5 milhões de euros na transformação das antigas instalações de uma fábrica de rações num lagar. Kapunga administra a Miamop, que em Portugal funciona como importação-exportação mas em Angola é um grupo empresarial de renome. Só vem a Portugal em negócios. "Fica sempre hospedado na casa de Sintra, que comprou porque os filhos estudam cá", diz José Garção. LUXOS EM LISBOAEnquanto homens do regime e novos empresários emergentes tratam discretamente de negócios, instalados no Hotel D. Pedro, nas Amoreiras – em suites cuja diária oscila entre os 400 e os mil euros com direito a pequeno-almoço e tratamento VIP –, mulheres e filhos gastam a rodos em Lisboa e arredores. Apaixonadas por marcas internacionais, as angolanas são rainhas nas lojas mais refinadas. Na avenida da Liberdade, Yumbe A., 33 anos, não tem mãos que cheguem para segurar a filha Bruna, o saco das compras feitas na italiana Dolce&Gabanna e a nova mala de dois mil euros comprada na também marca italiana Prada, "a predilecta". A assiduidade com que vem a Lisboa, onde a despesa diária pode ultrapassar os 5 mil euros, garante à técnica de informática dois beijinhos à saída da loja, chamada de táxi e um empregado que coloca as compras no porta-bagagens. "Vale a pena vir, pois em Angola não temos tanta variedade nem tantas marcas, podemos encontrar Cavalli, mas Prada não há", diz.Na Dolce&Gabanna a afluência é diária, ao ritmo dos voos Luanda-Lisboa, explica um lojista. O pico acontece no Verão e antes do Ano Novo. Compram-se os conjuntos tal e qual estão expostos na montra: mala, vestido, colar, sapatos, num total que supera os 1800 euros.Para um casamento, por exemplo, a formalidade angolana exige que se leve mais do que um traje: um fato para a cerimónia civil ou religiosa, outro para o cocktail e um diferente para a noite é o mínimo obrigatório. O estilista Augustus recebe muitas angolanas nas suas lojas em Lisboa e o fenómeno não é de agora. "A diferença é que já viajam mais, compram em Paris, Nova Iorque e Dubai, por isso estão mais exigentes. Há uns anos procuravam tudo o que era espampanante, brilhos, cores fortes, mas agora têm um gosto requintado. Vêm buscar roupa para festas e casamentos, para terem exclusividade", explica o estilista, garantindo que "não olham a preços. Se gostam, levam". Nos cabeleireiros e spa Lúcia Piloto também se sente a procura angolana durante as deslocações a Portugal em férias ou negócios. "Houve um aumento e muitas são habituais. Em Angola apenas fazem manutenção, como brushing, e cá fazem corte, coloração, alisamento (que pode custar entre 250 e 1600 euros), ou extensões". Isto porque "são pessoas que cuidam muito do cabelo e dedicam atenção aos cuidados com o rosto, corpo e bem-estar". GRANDES GASTADORESClientes que gastam 100 mil euros por época merecem condições especiais e a Loja das Meias, por exemplo, criou "um Cartão Prestige Luanda que dá acesso a tratamento personalizado, especialmente dirigido a esse mercado", diz Paula Gomes. "A pessoa telefona, marca a hora e diz o que pretende. Temos sempre alguém para a acompanhar, mostrar o que foi seleccionado e ajudar a escolher". As preferências recaem nas malas e sapatos; marcas Dior e Stella McCartney estão no topo, mesmo que custem três ou quatro mil euros cada peça.É também a discrição e o atendimento personalizado que enchem a Clínica do Tempo de clientes angolanos. "O tratamento preferido é o liposhap-per, que custa, no mínimo, mil euros. Vêm de avião, têm carro à porta, fazem o tratamento e voltam. Muitas vezes marcam hotel, mas as despesas extra são por conta do cliente", diz Filomena Marta. A estratégia da clínica de Humberto Barbosa passa "por anunciar em Angola" e não abrir casa lá, uma vez que "preferem vir a Lisboa. Têm mais discrição e certeza de um excelente atendimento". A qualidade da nossa gastronomia chama angolanos aos melhores restaurantes da Grande Lisboa. Quando vem a Portugal, Isabel dos Santos fica muitas vezes instalada no Hotel Ritz, apesar de ter casa junto ao El Corte Inglés. Marca presença no Gambrinus e no discreto de Castro Elias, cuja cozinheira levou para o seu restaurante em Luanda, depois de lhe ter elogiado o talento. Os angolanos ricos também elegem as cartas gourmet do Largo e do D’Oliva, na rua Barata Salgueiro. Mais exuberante, a jovem elite angolana escolhe o BBC, em Belém: "de Julho a Setembro há um acréscimo", conta José António Ermano, relações públicas do bar e discoteca. "A maior parte vem passar férias, são excelentes clientes, com uma média muito alta de consumo de champanhe Moët & Chandon e uísque. Depois, seguem para o Dock’s e as ‘festas do Trixu’".Sing – nome artístico de Tchisinge Teixeira Correia – é sócio do Dock’s e do Kaombo e o cérebro destes eventos. "Temos um público fixo, na sua maioria estudantes, entre os 17 e os 40 anos. Criámos uma moda e as pessoas vêm, não só de Angola mas também de Londres, EUA, África do Sul e Brasil. Começou por boca-a-boca, agora usamos o Facebook, mas é sempre preciso um convite inicial e boa aparência". O produtor, de 30 anos, licenciado em engenharia electrotécnica pelo ISEL e filho de um ex-director da Sonangol, já falecido, conta que as festas, que podem ocorrer em Lisboa, na praia da Sereia ou no Algarve, "começaram por divertimento, era eu, o Trixu – DJ que deu nome à marca – e outro, mas transformaram-se em negócio". A noite agitada cativa. "Oferecemos a entrada e as pessoas pagam o que consomem. Temos bebidas que não são comuns em Portugal, os champanhes estão na moda e há garrafas a 4700 euros", conta Sing.Segundo o site famastar e vários blogues angolanos, Ivan Morais, filho do ex-ministro das Finanças Pedro Morais, e Joca Carneiro, filho do general Higino Carneiro, são assíduos na noite lisboeta, apesar de terem estudado em Londres. O Reino Unido é agora, a par dos EUA, um destino privilegiado para os jovens da sociedade angolana, ocupando o lugar que já foi de Lisboa. Sing veio completar o ensino secundário, no colégio interno de Albergaria-a-Velha, que, a par do de S. Teotónio, em Coimbra, Nuno Álvares, em Tomar, e o Colégio Militar eram os eleitos na sua geração. "Hoje acabou a mania do colégio interno e as famílias optam por colégios privados em Lisboa, deixando os filhos em casa própria, com empregadas. Pessoalmente, acho que isso faz perder alguma educação", frisa. Os que ainda vêm para Lisboa estudam depois nas faculdades públicas ou nas privadas Católica e Lusófona. Manuel Damásio, director desta última, nota que a afluência diminuiu, mas atribui a queda à melhoria do ensino local, que "já tem alguma qualidade e novas universidades e, por esse motivo, não é necessário sair para estudar". Quanto aos cursos mais procurados, "há alguma preferência por engenharias, civil e informática, e Direito". Ana Vieira Dias, Eurico Araújo e Miriam Henriques, de 19 e 18 anos, estudam gestão bancária, aeronáutica e hotelaria em Londres mas não perdem "um Verão em Lisboa". Ficam em casa própria, na zona da Laranjeiras e Carcavelos, e aproveitam para comprar em Lisboa. "Aqui é melhor, conhecemos os sítios, os preços são mais acessíveis e temos mais variedade para o nosso gosto", que inclui óculos Marc Jacobs, vestidos Carolina Herrera e malas Louis Vuitton. A noite e os restaurantes são "pontos obrigatórios".É comum ver angolanos "de sucesso" no restaurante Porto de Santa Maria, no Guincho, onde vão "pela qualidade do peixe, do marisco e do vinho nacionais", e onde pagam, por uma refeição, um preço médio de 50 euros, se o menu não for muito extravagante (uma sobremesa pode custar 20 euros). "Talvez por isso", garante Pedro Coelho, director-geral da empresa Arrais e Valdivia, "tenha surgido o boato de que o restaurante tinha capital angolano, mas só há capital português. Todos os sócios são empresários naturais da zona de Cascais". Os mesmos rumores também se ouviram sobre a Casa de Santar e a Quinta do Cabriz, ambas da GlobalWines, mas a administração da empresa não quis comentar a informação. NEGÓCIO DOS VINHOSAntónio Evaristo, empresário angolano e proprietário da AE, empresa de construção civil, criou há seis anos em Portugal a Mussapa, com sede em Setúbal. "A empresa servia como central de negócio de produtos que exportava para Angola", conta João Dias. Em Janeiro de 2010, o português assumiu a direcção dos negócios de Evaristo e em Março adquiriu, por um milhão de euros, a Vinhos Benigno, empresa familiar das Caldas da Rainha que hoje tem 100% de capital angolano e dá pelo nome de Vinhos da Rainha. Evaristo tem 54 anos, "é um empresário muito conhecido em Angola", vem a Portugal de dois em dois meses e é um apreciador de vinho português, que agora está a alimentar o mercado angolano com 40% de exportações. Entre os rótulos conta-se o Talefe, Penedo da Rainha, Mestre Bordalo e Penedo Real, destinados a um mercado em crescimento. Em Angola, uma garrafa de vinho custa o dobro do preço de Portugal. Apesar da sobrecarga de impostos, os angolanos compram Barca Velha, vinho de excepção do Douro, que cá pode custar 400 euros num restaurante mas que em Angola chega aos 1000 dólares (é tudo negociado nesta moeda); o Esteva em Portugal não chega a cinco euros mas custa lá 12 dólares. Luanda é considerada a cidade mais cara do Mundo em 2011: uma refeição num restaurante corrente não custa menos de 30 dólares e é impossível ir a um sítio refinado por menos de 150 dólares. Uma simples garrafa de azeite pode custar 15 dólares. Em Portugal o luxo sai mais barato. A EMPRESÁRIA DISCRETA A QUEM CHAMAM PRINCESAA força que Isabel dos Santos tem na economia portuguesa é proporcional à sua discrição. Com muitos milhões investidos nas maiores empresas lusas, a filha mais velha do presidente angolano, José Eduardo dos Santos, prima por não querer ser notícia. Não dá entrevistas, evita fotógrafos e raramente aparece em público. Mas nos negócios é implacável. Nascida em 1972, formou-se em engenharia electrotécnica em Londres, mas voltou a Angola nos anos 90, onde começou a investir nas empresas locais. Começou a apostar no mercado português no início dos anos 2000 e hoje tem posições na Galp Energia (com Américo Amorim, o seu melhor aliado em Portugal), no BPI, BPN e na ZON. Casada com o congolês Sindika Dokolo, partilha com o marido o gosto pela arte. Não têm filhos. Responder EncaminharAlexandre não está disponível para bater papo

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